terça-feira, 30 de junho de 2015
Política educacional para deficientes
Há atualmente entre os profissionais que se dedicam à causa da pessoa com deficiência discussão acalorada referente à ideal política educacional a ser
adotada pelo Estado brasileiro para essas pessoas, principalmente aquelas com deficiência mental/intelectual. O dilema que se coloca é basicamente o seguinte:
de um lado os defensores da chamada inclusão absoluta da pessoa com deficiência, para os quais, independentemente do tipo ou grau de deficiência, todos
os alunos devem obrigatoriamente ser matriculados nas chamadas “escolas regulares”, com a extinção em definitivo das escolas especiais, e, de outro, aqueles
que defendem a coexistência harmônica das duas modalidades de escola, devendo haver o respeito à liberdade de escolha das famílias e às peculiaridades
de cada caso.
Sem a menor pretensão de adentrar nas questões de natureza sociológica, psicológica ou pedagógica que tal discussão impõe, por absoluto despreparo do autor
nessas áreas de conhecimento, o presente artigo tem por objetivo apenas trazer à baila o que o direito prevê quanto à questão e se há resposta na legislação
pátria.
Ilustração das mãos de duas pessoas. Uma está segurando a caneta e tentando escreve em uma papel, a outra mão lhe ajuda segurando firme.
Preliminarmente, deve ser verificado que a Constituição de 1988 (CF) dispõe expressamente sobre a educação a ser prestada pelo Estado brasileiro (lato
sensu) à pessoa com deficiência, asseverando que o dever com a educação será efetivado mediante a garantia de, entre outras coisas, atendimento educacional
especializado aos “portadores” de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Parece claro, portanto, que, para entender em profundidade
o dispositivo legal em comento, necessária é a compreensão do significado da palavra preferencialmente.
Segundo o dicionário Houaiss, preferência é a ação de preferir, de escolher um entre outros. Ora, se preferir é escolher, quando a CF diz que a educação
para a pessoa com deficiência se dará preferencialmente na rede regular de ensino, está dizendo que é dever do Estado dar às famílias o poder de escolha
do melhor caminho a ser adotado para o seu ente, ou seja, dar a opção a estas de matrícula tanto nas escolas regulares quanto nas escolas especiais, dependendo
do tipo de deficiência e de seu grau, entre outros fatores.
Parece claro, também, que há uma escala de prioridade no dispositivo citado, ou seja, em regra, a matrícula do aluno com deficiência deve se dar nas escolas
regulares, antigamente e erroneamente chamadas de escolas comuns. No entanto, o Estado (lato sensu) deve conceder às famílias de alunos com deficiência
também a possibilidade de matriculá-las nas escolas especiais.
Tal dispositivo constitucional já seria mais do que suficiente para responder à questão aqui posta, pois, como se sabe, é a Constituição a lei maior de
qualquer Estado e nenhuma lei pode dispor de forma diversa da Carta Magna, sob pena de flagrante inconstitucionalidade e invalidade do dispositivo antagônico.
No entanto, ao se analisar as leis que tratam da educação para a pessoa com deficiência, verifica-se que elas dispõem neste particular em sentido harmônico
e compassado à Constituição, senão vejamos:
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.396/96), que, como o próprio nome diz, traz as regras básicas do serviço de educação a ser prestado dentro
do território brasileiro, contem também dispositivo específico quanto à educação para a pessoa com deficiência, repetindo, em seu artigo 4º, o conteúdo
da norma constitucional.
Ademais, tal lei prevê regra ainda mais explícita quanto à obrigação do Estado de manter, em regime de coexistência, as escolas regulares e as especiais,
o que joga definitivamente por terra qualquer discussão, ao menos sob o ponto de vista legal, sobre a questão.
Neste sentido, o artigo 58 da mencionada Lei de Diretrizes e Bases é claro ao dispor que “o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular”. Ora,
o dispositivo legal não poderia ser mais claro no sentido de que a educação da pessoa com deficiência deve se dar não só por meio de serviços especializados
na escola regular, mas, quando o caso exigir, em classes ou escolas especiais.
Portanto, ao encerrar a atividade de tais escolas ou ao proibir a matrícula de novos alunos nestas, os entes públicos estão frontalmente violando dispositivos
de natureza constitucional e legal sobre o tema, o que pode dar ensejo, inclusive, à responsabilização por improbidade administrativa do gestor da área.
Por fim, para que fique definitivamente demonstrada a opção do Estado brasileiro pela coexistência das escolas regulares e das escolas especiais, deve
ser mencionada a Lei 7.853/89, chamada durante longo período de Estatuto da Pessoa com Deficiência. Tal lei dispõe que é obrigação do Estado matricular
compulsoriamente em cursos regulares de estabelecimentos públicos ou privados as pessoas com deficiência capazes de se integrar no sistema regular de ensino.
Nota-se, através de uma hermenêutica elementar da determinação contida no dispositivo citado, que só devem ser incluídos no sistema regular de ensino aqueles
alunos que têm condições de se integrar de forma adequada a este. Para os outros, ou seja, aqueles que, em razão do tipo, grau de deficiência ou por outra
razão, não seja possível a inclusão, deve o Estado oferecer as escolas especiais.
Assim, ao menos sob o ponto de vista jurídico/legal, não há dúvida de que, por opção expressa e clara do constituinte e do legislador infraconstitucional,
a política educacional escolhida pelo Estado brasileiro para a pessoa com deficiência é a de dar primazia à inclusão e integração destes alunos na rede
regular de ensino, sem, contudo, abrir mão da escola especial, que continua tendo papel essencial para receber e atender aquele aluno para o qual, por
diversos fatores, a inclusão não se mostre a melhor opção.
Fonte: site do Jornal Estado de Minas no Caderno Direito e Justiça por Estêvão Machado de Assis Carvalho.
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