terça-feira, 10 de novembro de 2015

ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO POR MEIO DA ARTE

A falta de inclusão social afeta milhares de deficientes na capital federal. Seja pelo preconceito, ou pela falta de estruturas que possibilitam a convivência e as experiências do cotidiano urbano. "As deficiências são criadas pelas estruturas, não pela lesão". A frase da educadora Camila Alves revela que muitos dos entraves vividos por cegos, surdos ou quaisquer outras pessoas que possuem limitações físicas ou sensoriais partem de mazelas das cidades. Por exemplo, as calçadas de Brasília, que desafiam até mesmo pessoas sem dificuldades de locomoção. Camila é cega. Há cinco anos trabalha e estuda com estratégias pedagógicas na educação do deficiente em exposições de artes, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. Ontem, ela esteve em Brasília para debater com professores e estudantes de instituições culturais as dificuldades de possibilitar as mesmas experiências em ambientes como museus à pessoas que não têm as mesmas condições físicas ou sensoriais. "A deficiência parte da relação do ser com o espaço. Quem disse que um museu é um lugar de artes visuais e não pode receber um grupo de cegos? Será que as telas não tem outros sentidos?", questiona. "Se o elevador do ônibus não funciona, os passageiros ficam com raiva do cadeirante que está atrasando a viagem. Quando ele enfim consegue entrar, pede desculpas, mesmo o problema sendo do transporte coletivo que não se adapta à todos", explica Camila. A inversão de valores coloca em xeque o conceito de acessibilidade. O trabalho realizado pela educadora é pautado em ações acessíveis, como recursos sonoros e táteis que ambientam o público e trazem conceitos explorados nas exposições. "É preciso entender a pluralidade das pessoas. Aplicativos de audiodescrição, por exemplo, trabalham a informação. Assim, gera-se cegos bem informados, em vez de se trabalhar o conteúdo de uma forma que traga experiências", destaca. Cada grupo realiza um roteiro que não obedece a muitas regras. Os autistas, por exemplo, podem interagir com as obras por meio de tecidos coloridos, músicas, água, areia entre outros itens. Às vezes, os próprios educadores não têm clareza de como desenvolverão a atividade. "O acesso é pensar em como receber inclusive os acompanhantes. As mães estão cansadas de verem os filhos se jogando no chão e batendo a cabeça por que não tem costume com o ambiente. Cada criança vai reagir de uma forma. Certa vez, uma criança preferiu brinca na escada que entrar (no CCBB). Ele subia até o penúltimo degrau, mas não entrava. Na segunda visita, isso mudou", conta Camila. Tatiana Elizabeth Tatiana Elizabeth: "Ainda causa estranheza, mas o preconceito tem diminuído" A palestra é acompanhada por uma intérprete de libras. Tatiana Elizabeth, 38 anos, ressalta que não é apenas traduzir a fala para os sinais, mas sim, transmitir as entonações e clima do discurso. "Ainda causa estranheza, mas o preconceito tem diminuído. Não adianta mudar as estruturas, se não houver a mudança atitudinal", conta a mulher que desde o seis anos de idade convive com deficientes auditivos. Para a historiadora da arte e professora universitária Vera Pugliese, 45 anos, as pessoas só se conscientizam quando vivem a situação. "É um processo longo pois existe toda uma cultura. Precisamos mudar não só os espaços, mas a mentalidade da sociedade. Minha mãe, por exemplo, tem problema no joelho e não consegue levantar o pé 20 centímetros do chão. Depois disso, comecei a perceber o quanto é complicado andar por Brasília", conclui. Camila acredita que a forma mais eficaz de se saber da rotina de uma pessoa com limitação física ou sensorial é perguntar para ela. "Você pode ficar uma semana com o olho fechado, mas você sabe como é enxergar. Depois que abrir os olhos verá tudo novamente, o cego não. Isso é apenas uma experiência sensorial". Cinco perguntas para Camila: Camila Alves acredita na inclusão por meio da arte Camila Alves, psicóloga e estudiosa de estratégias pedagógicas na educação do deficiente em exposições: acredito na inclusão por meio da arte Correio: Acessibilidade é mais que piso tátil e audiodescrição. O brasileiro tem isso claro? Camila: Estamos começando a pensar isso, mas ainda é muito incipiente. Não é um trabalho que a gente encontra por aí. Mesmo embrionário, estamos à frente de muitos países. A relação da acessibilidade com a experimentação e com a experiência estética não é um pensamento difundido amplamente. Correio: As cidades criam muitos empecilhos ou o trato ainda é um problema? Camila: As cidades mais acessíveis do país estão no Sul. Lá, as estruturas consideram um pouco mais as dificuldades de locomoção para cadeirantes. Porém, o maior desafio ainda é o trato. Um exemplo disso é o estranhamento com o cão guia. Já fui impedida de entrar em alguns lugares por estar com o cachorro. Correio: A mídia tem mostrado mais os deficientes, por exemplo, em novelas. Isso ajuda romper com o preconceito? Camila: É importante que a gente fale disso. Está bom do jeito que está sendo? Não. Ainda assim é melhor falar que fingir que não existe. É um trabalho que vai levar muitos anos da gente ir mudando a realidade como as pessoas com deficiência são vistas. A tarefa é entender como isso é feito, como é a nossa interpretação e como as pessoas entendem isso e produzem coisas no dia a dia. Correio: A evolução será rápida? Camila: Um trabalho marginal tem trabalhos marginais. Um trabalho que é feito com um grupo que está á margem não vai quebrar o muro. Daqui há cinco anos a gente terá feito mais buracos isso vai permitir ver o outro lado. É um processo e eu não acho que será rápido. Correio: A descrença na pessoa com deficiência cria mais gargalos? Camila: As diferenças são difíceis para todo mundo. Ela incomoda, desestabiliza e é complicado de lidar. O erro é colocar a dificuldade na diferença e não em nós mesmos. Por isso criamos preconceitos. O pensamento de que o outro não consegue já atrapalha. Afinal, há coisas que ninguém dá conta de fazer independente de ter ou não uma deficiência. Fonte: Correio Brasiliense

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