sábado, 17 de outubro de 2015
COM CRIATIVIDADE E RECURSOS DE ACESSIBILIDADE, TEATROS EXPANDEM SEU PÚBLICO
Atualmente, é possível acomodar em um mesmo espetáculo um público de
surdos, que acompanha uma peça com tradução em Libras (Linguagem
Brasileira de Sinais),
e de deficientes visuais, conectados ao recurso de audiodescrição. O
Teatro Vivo, em São Paulo, foi pioneiro no Brasil a usar recursos de
acessibilidade
para os espectadores com deficiência visual ou auditiva. Ao
disponibilizar esses recursos, o teatro conseguiu atrair um novo público
até então culturalmente
marginalizado: o das pessoas com deficiência.
Teatro Vivo
Com toda essa variedade, o local em que os profissionais de
acessibilidade se posicionam precisa ser estratégico. “Já vi colocarem o
tradutor na escada
de incêndio, por exemplo”, conta a tradutora de Libras Maísa Souza. No
caso de um palco italiano, é comum dispor os surdos nas primeiras
fileiras da plateia
e na diagonal oposta ao tradutor, para facilitar a observação dos gestos
e do que está acontecendo no palco.
Para o público com deficiência visual, o trabalho de mediar ganha outra
complexidade e cuidado no momento de transmissão. No Brasil, o Teatro
Vivo foi
pioneiro na ação. Entre 2005 e 2006, iniciou uma programação com
recursos de audiodescrição: a plateia utiliza fones de ouvido e um
equipamento conectado
a um tradutor, que fica dentro de uma cabine nos fundos da plateia e de
onde descreve, por meio da voz, as ações dos personagens e a
ambientação. Após
a empresa ser vendida para a Telefônica, o projeto não teve continuidade.
No Teatro Sergio Cardoso, quem representa essa frente é a
audiodescritora Lívia Motta, que explica como foi traduzir o espetáculo
“Pulsões”. “Após estudar
o material e assistir à peça, faço um roteiro e transformo elementos
visuais em palavras. Antes de começar, falamos algumas notas
introdutórias para situar
a plateia com informações sobre a sinopse, os personagens e a
ambientação do palco. E, no final, o público pode subir no palco para
tocar os objetos do
cenário”.
Com diferentes públicos dentro do teatro, o ideal é equilibrar – a
plateia de deficientes visuais é preferencialmente acomodada nas
poltronas do fundo,
próximas à cabine, e os deficientes auditivos à frente. Para Samara
Ferreira, coordenadora do núcleo responsável pelo projeto Terça Tem
Teatro com tradução
em Libras, na maioria das vezes essa organização pode ser acertada em
conjunto com os artistas. “Aqui, a tradutora fica embaixo, na lateral, e
com um foco
de luz sobre ela. Se a peça é bem iluminada, conseguirmos aumentar a
intensidade. Se for o contrário, baixamos a iluminação.” Mantida pelo
Itaú Cultural,
a ação começou em fevereiro desse ano e mensalmente oferece espetáculos
com tradução para surdos.
Outro desafio de se mediar uma obra artística está em transmitir a
informação sem sacrificar a subjetividade. “Se um personagem está
nervoso”, explica
Lívia, “descrevo seu comportamento: se o sujeito olha para os lados e se
torce as mãos com ansiedade”. Ela conta que é preciso evitar palavras
que restrinjam
a compreensão. “Adjetivos como ‘bonito’, ‘feio’ e ‘belo’ não servem. É
melhor dar pistas visuais que ampliem o entendimento”.
Uma outra maneira de avançar e ampliar essa compreensão é levar para o
palco, na figura do ator, a tradução em Libras. O trabalho conduzido
pela atriz
e professora de Libras Sabrina Caires, do grupo Rendeiros Contadores de
Histórias, rendeu o espetáculo infantil “Onça Que Espirra Não Come
Carne”, de Plínio
Marcos. A peça faz sua última apresentação no dia 11 de outubro, no
Teatro Solano Trindade, em Embu das Artes. “Nós misturamos falas e
gestos para que
todas as pessoas possam compreender como o tema da peça é político, pois
fala de animais que lutam entre si para chegar ao poder. Trazer essa
linguagem
ajuda a refletir sobre a inclusão”. Agora, Sabrina quer arriscar mais ao
colocar um surdo no palco. “Isso seria o máximo da inclusão!”
Sobre incluir, Lívia afirma que a procura desse público por espetáculo
tem aumentado nos últimos anos, o que ajuda a acabar com o preconceito,
especialmente
os mais “bobos”. “Quando comecei a trabalhar com cegos, pensei que não
poderia falar ‘você viu isso, você viu aquilo?’, que eles se ofenderiam.
Isso é
uma besteira, eles nem ligam”, ri.
Fonte: Jornal Todo Dia
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