quarta-feira, 28 de outubro de 2015
Biblioteca digital para cegos na Argentina é premiada como ferramenta de inclusão
Cerca de 50.000 livros em espanhol integram a primeira biblioteca
digitalizada para cegos em Buenos Aires, que acaba de ser premiada pela
OEA e cujo fundador,
o argentino Pablo Lecuona, convida a ter um "olhar diferente" sobre sua
deficiência.
Em entrevista num bar em frente à escola pública de Buenos Aires onde
diariamente leva e busca suas duas filhas de 10 e 13 anos, Lecuona falou
com entusiasmo
sobre a TifloLibros, a biblioteca virtual para cegos que fundou em 1999,
e que hoje alcançou reconhecimento internacional.
Ele começou sua aventura com a convicção de que "a cegueira não acaba o
mundo", disse à AFP o autor deste grande projeto cujo nome alude a
Tiflos, uma
ilha de onde os cegos eram banidos, segundo a mitologia grega.
"Não se trata de que o mundo se adapte ao deficiente, mas que ele
encontre as ferramentas para a inclusão", argumentou o homem de 41 anos,
que ficou cego
ainda criança após ter nascido com pouca visão.
"Ganhamos o primeiro prêmio entre 600 projetos que foram apresentados na
Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre contribuição para a
redução da
pobreza e da desigualdade na América Latina e no Caribe", disse Lecuona.
Ele sente que agora é uma "responsabilidade pensar muito bem" em como
investir estes 75.000 dólares que receberão em meados de novembro,
verdadeira fortuna
para a ONG, garantiu.
Desde o início precário com seu computador de casa ao lado do berço de
sua primeira filha, a Tiflolibros passou para uma casa alugada onde
trabalham 14
pessoas.
Dispõem de uma impressora em braile e um scanner digital, enquanto
continuam sonhando com uma sede própria num centro cultural, promessa
feita pela prefeitura
de Buenos Aires.
Um prêmio internacional de apenas 2.500 dólares em 2003 foi o primeiro
impulso concreto para este projeto sem financiamento oficial, que se
diversificou
em uma rede social, Tiflonexos.
Hoje, com seus 7.500 inscritos de forma gratuita e 300 instituições
participantes, a biblioteca coloca na rede cerca de 500 títulos em espanhol.
Dois anos depois do nascimento da TifloLibros, saiu nos Estados Unidos a
biblioteca virtual BookShare.
"Mas eles começaram com um milhão de dólares, não um computador caseiro.
E eles cobram 50 dólares anuais pela inscrição", explicou Lecuona,
rindo. Um tempo
depois, na Índia, foi lançada a rede social Inclusive Planet, que tem
sua própria biblioteca.
- Superar a Idade Média -
"Até a década de 1990, os livros eram copiados à mão para o braile, era
como na Idade Média", lembrou Lecuona.
Na Biblioteca Argentina para Cegos, criada em 1927, "em quase 70 anos
chegaram a ter 3.000 títulos", revelou. "Hoje fazemos essa quantidade em
um ano,
graças à tecnologia e ao trabalho em rede", contou animado.
A internet, os computadores adaptados ou o telefone celular com leitor
de tela, abriram caminho para que as pessoas cegas tenham uma autonomia
nunca antes
imaginada.
Lecuona é um exemplo destes avanços. Se movimenta numa cidade pouco
adaptada para os deficientes como é Buenos Aires e viajou por dezenas de
países para
transmitir sua experiência.
Em 2008, a União Mundial de Cegos convidou Lecuona para debater e
incentivar um Tratado Internacional sobre direitos de autor para cegos,
depois que uma
lei foi sancionada na Argentina.
Foram cinco anos de árduas negociações, porque "o olhar dos países em
desenvolvimento é diferente da Europa e dos Estados Unidos", lembrou.
Em 2013, foi redigido o Tratado que obriga os países a incorporar em sua
legislação as exceções para cegos ao direito de autor e estabelece o
intercâmbio
entre os países.
A Tiflolibros já é uma referência de leitura para cegos e exemplo como
projeto de inclusão social, eixos centrais do trabalho de Lecuona como
ativista
de direitos humanos e superação das condições de pessoas com deficiência
visual.
"Na Europa a deficiência está muito amparada. O estado dá trabalho, as
coisas estão garantidas. Está tudo dentro do sistema", disse.
Mas "quando têm tudo resolvido, trabalho garantido, também têm menor
iniciativa. Nem sempre isso se converte em desenvolvimento pessoal",
apontou, ao defender
a capacidade de improviso das pessoas com deficiência da América Latina.
Fonte:
http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2015/09/29/interna_intern...
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