Ao contrário das últimas edições do Enem, tema deste ano não é muito trabalhado nas aulas de redação, segundo professores ouvidos pelo G1.
Por Ana Carolina Moreno, G1
Tema da redação do Enem 2017 foi 'Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil' (Foto: Reprodução/Twitter)
A redação do Enem 2017 surpreendeu professores de cursinhos ouvidos pelo G1, e deve exigir dos candidatos bastante atenção para que garantir uma nota alta.
O tema é
"Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil",
e foi divulgada às 13h30 deste domingo (5), no início do primeiro dia de provas.
Nas redes sociais, o tema
dividiu opiniões entre os internautas.
Especialistas entrevistados pelo G1 sugerem
argumentos que podem ser usados
no texto.
Apesar de o tema sobre inclusão de deficientes ser um dos mais trabalhados nas aulas, a abordagem específica dos surdos – e da formação educacional dos
surdos – pode ter deixado muitos candidatos assustados.
Para Saray Azenha, professora de redação da Oficina do Estudante, de Campinas (SP), "a discussão dos surdos é importantíssima para a sociedade, mas não
é muito trabalhada em âmbito nacional". Já o professor Rodrigo Noronha, que dá aulas de redação no Sistema COC de Ensino, de Ribeirão Preto (SP), "o tema
surpreendeu apesar de a mídia já vir veiculando a questão da correção histórica que sofre o surdo no Brasil".
citação
"É uma discussão pública acerca de um problema real do Brasil." - Saray Azenha (Oficina do Estudante)
fim da citação
De acordo com Noronha, o tema da redação do Enem 2017 dificilmente deve ter sido trabalhado neste formato nas aulas dos colégios e cursinhos.
citação
"Tendo em vista a amplitude temática em relação aos deficientes, pode ter sido trabalhado [nos cursinhos], mas especificamente sobre os surdos, acho que
não." - Rodrigo Noronha (Sistema COC de Ensino)
fim da citação
"Historicamente, o ensino para surdos sempre foi algo distante da educação nacional, o que de certa forma, criou um verdadeiro abismo entre estudantes
deficientes. Em suma, a temática toca em um problema histórico, e requer do aluno esta visão: desafios para se corrigir o que nunca foi feito", diz ele.
Rafael Pinna, coordenador de redação do Colégio de A a Z, do Rio de Janeiro, afirma que o tema mantém a tendência de temas já cobrados nos últimos anos
pelo Enem, que são populações marginalizadas no Brasil. "A essência do tema dialoga com o que vem sendo cobrado nos últimos anos no Enem, pois se trata
de um debate sobre a inclusão e o respeito de grupos marginalizados. Em 2015, foram as mulheres; em 2016, pessoas que sofrem com a intolerância religiosa
e também com o racismo. Então, por essa perspectiva, o tema não é surpreendente. Na verdade, há muitos anos se fala sobre uma proposta acerca da inclusão
de pessoas com deficiência."
Decisão do STF
Professores também ressaltaram que o tema da prova de redação valoriza a inclusão e, por isso, mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) garantindo
que o desrespeito aos direitos humanos não resulte em anulação e nota zero, é uma boa ideia que o candidato evite aproveitar essa brecha jurídica.
"O Enem seguiu a tendência dos últimos anos de trabalhar com grupos vulneráveis da sociedade e com a ideia de inclusão desses grupos na ideia de cidadania",
afirmou André Valente, professor de português do Cursinho da Poli. "Esse tema da prova de hoje segue a linha de valorização dos direitos humanos, porque
é quase impossível você não defender os direitos humanos numa proposta da inclusão da educação de deficientes auditivos. Porque a educação é um direito
de todo mundo. É um direito humano a participação, a inclusão. A pessoa não pode ser discriminada porque ela têm um deficiência. Então é um momento muito
bom para a gente enfatizar a importância dessa educação para os direitos humanos."
De acordo com Thiago Braga, professor e autor de Redação no Sistema de Ensino pH, do Rio de Janeiro, a discussão sobre esse tema é muito relevante ao país,
que é estimulada em escolas por ser algo presente no dia a dia das instituições de ensino.
citação
"Acho pouco provável que a decisão do STF tenha algum impacto no conteúdo que será produzido pelos candidatos, uma vez que o grupo foco da redação não
faz parte de um conflito. O tema é pouco polêmico, com menos referências na internet que os dos últimos anos. Por isso, acredito que os textos de apoio
acabam sendo ainda mais importantes para a realização da redação." - Thiago Braga (Sistema de Ensino pH)
fim da citação
Quatro textos motivadores
A prova teve quatro textos motivadores diferentes.
Um deles incluiu dados sobre o número de alunos surdos na educação básica entre 2010 e 2016. Outro apresentou um trecho da Constituição Federal afirmando
que todos têm direito à educação. Um terceiro mostrou aos candidatos uma lei de 2002, que determinou que a Língua brasileira de sinais (Libras) se tornasse
a segunda língua oficial do Brasil.
Além disso, um anúncio do Ministério Público do Trabalho que, segundo o site do MPT, foi publicado em 2010, abordou um quarto aspecto da questão: o fato
de surdos seguirem excluídos por causa do preconceito, mesmo que tenham a formação educacional necessária para entrar no mercado de trabalho.
Anúncio veiculado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) faz campanha para combater o preconceito contra os surdos no mercado de trabalho (Foto: Reprodução/Minitério
Dicas para não fugir do tema
Os professores deram dicas de como um tema como esse pode ser abordado em uma redação do Enem de modo a demonstrar as cinco competências exigidas na prova:
·Abordar diretamente a educação: O tema da redação não fala apenas sobre a população surda no Brasil, ela pede que o estudante fale especificamente sobre
a "formação educacional" dos surdos. Por isso, candidatos que apenas abordarem a questão da marginalização dos surdos na sociedade em geral podem perder
pontos pela fuga parcial do tema. "Há um risco para o aluno: ele deve perceber que o tema fala ao mesmo tempo sobre educação e sobre pessoas com deficiência
auditiva. Dessa forma, que falar genericamente sobre educação ou sobre pessoas com deficiência auditiva pode não atender perfeitamente à exigência da banca",
diz Rafael Pinna.
·Basear-se nos textos motivadores: O Inep ainda não divulgou o teor completo da prova de redação, com os textos motivadores. Porém, Rodrigo Noronha diz
que " o aluno que fizer uma leitura apurada dos textos motivadores conseguirá explanar argumentos convincentes à questão da segregação educacional para
os surdos".
·Inclusão é a palavra-chave: Para Saray Azenha, os argumentos dos candidatos, na hora de formular propostas de intervenção, devem passar pelo principal
desafio em relação à educação dos surdos, que é inclui-los no sistema educacional. "Quando o aluno percebe que a palavra não é só surdo, tem que trabalhar
o educacional, percebe que a escola precisa incluir, por esse mote ele vai conseguir fazer uma educação de qualidade."
·Responsabilidade do poder público: "O desafio é criar mecanismos nas escolas de todos os anos, do fundamental ao superior, para possibilitar o desenvolvimento
intelectual desses deficientes. Esse é o desafio principal, é uma responsabilidade do poder público", expica Maria Aparecida Custódio. "O MEC tem que cobrar
isso e instalar nas escolas todos os mecanismos para poder facilitar o acesso desses estudantes, que eles possam aprender igualdade com os demais, que
não se sintam desconfortáveis e defasados como os demais."
·Possíveis desafios: Os professores ouvidos pelo G1 citaram uma série de desafios existentes no Brasil para a formação educacional dos surdos. Entre eles
estão a falta de estrutura das escolas e universidades para incluir quem tem deficiência auditiva e a falta de professores com a formação adequada para
atender às necessidades especiais dos surdos.
·Aspectos específicos da surdez: Noronha, do Sistema COC de Ensino, lembra que os candidatos que demonstrarem conhecimento sobre as especificidades da
deficiência auditiva podem se destacar e ganhar mais pontos que os concorrentes. "Os surdos na verdade também são mudos, então precisa estimular essa questão
de outros sentidos", diz ele. Maria Aparecida, do Objetivo, lembra que os deficientes auditivos não têm deficiência intelectual. "Se tiverem acesso à educação
eles vão se desenvolver, e a escola é responsável por isso."
Inep oferece vídeo prova a surdos pela primeira vez
"Interessante ressaltar que é o
primeiro ano em que se faz a prova com ajuda auditiva",
continou o professor Noronha.
Inep divulga exemplo de questão do Enem traduzida para Libras
o Enem traduzida para Libras
A professora Maria Aparecisa Custódio, que dá aulas de redação no Curso e Colégio Objetivo, em São Paulo, afirma que trabalhou nas aulas o tema sobre os
deficientes, e lembra que, até a edição do ano passado, o próprio Inep não poderia ter abordado esse tema, porque ainda oferecia pouca infra-estrutura
para os candidatos surdos fazerem a prova.
Para Sérgio Paganim, supervisor de Português do Anglo, o tema provavelmente "estava no radar de pouca gente na forma com a qual apareceu no Enem", mas
"está dentro de um grande assunto, 'Inclusão', muito valorizado pelo MEC nos últimos anos". Ele também citou como exemplo a decisão do Inep de incluir
a Vídeo Prova Traduzida em Língua Brasileira de Sinais (Libras). "O tema vai depender muito do direcionamento dos textos das coletâneas, mas já é possível
verificar que tem uma grande amplitude e certamente poderá ser trabalhado pelo candidato sob diversos olhares: do ponto de vista institucional, dos docentes,
dos colegas, da sociedade."
Em entrevista ao SP1 na quarta-feira (1º), Andrea Basta, vice-diretora do Instituto Santa Terezinha, explicou que a língua materna dos estudantes surdos
não é o português, mas sim Libras, a linguagem brasileira de sinais. "Uma dificuldade que o surdo tem é a língua portuguesa na modalidade escrita. Muitas
vezes é uma questão de vocabulário, tem alguma coisa mais subjetiva, uma palavra mais subjetiva, eles não entendem aquilo e acabam perdendo o contexto
da questão", explicou ela (assista abaixo).
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