terça-feira, 11 de agosto de 2015
Jornalista cego dribla deficiência para comentar futebol no ABC paulista
Era uma sexta-feira à noite. EC São Bernardo e Usac se enfrentavam pela Segunda Divisão do Campeonato Paulista, que equivale à quarta e última divisão
de São Paulo. Como parte de sua rotina, Felipe Augusto Diogo estava na cabine de imprensa do Estádio Baetão, em São Bernardo do Campo, para comentar o
jogo por uma rádio local. Ele até sentia o frio que fazia lá, mas não podia ver, por exemplo, a neblina que tomou conta do campo por alguns minutos. Na
realidade, não podia ver nada: Felipe não tem a visão desde que nasceu. Algo inimaginável para quem analisa uma partida. Mas não para o rapaz de 30 anos,
um verdadeiro apaixonado por futebol e, sobretudo, pela vida.
SEGREDOS
Com a ajuda dos amigos, Felipe subiu as arquibancadas até o lugar da imprensa no estádio. Sentou-se ao lado do locutor e apanhou o microfone, companheiro
inseparável por 90 minutos. Ficou ali durante todo o jogo. De cabeça baixa, como quem procura se manter totalmente concentrado, várias vezes deu seus pitacos
em diferentes assuntos, desde a partida em si, que terminou com vitória dos mandantes por 6 a 3, até a pequena presença do público: 44 pagantes.
Felipe Diogo comentarista deficiente visual (Foto: Cairo Oliveira)
Mesmo sem enxergar, Felipe Diogo comenta jogos de futebol em São Bernardo do Campo (Foto: Cairo Oliveira)
- Eu procuro prestar bastante atenção no locutor. Presto atenção em qual lado o time está atacando mais, pela esquerda ou pela direita, se os cruzamentos
estão sendo bem sucedidos. Também procuro perceber qual equipe teve mais escanteios, mais faltas a seu favor, como está a pressão dos times. Além disso,
tem algumas deixas que os locutores vão me dando. Procuro me basear nisso - contou Felipe.
- Eu falo para ele assim: "E o jogo, Felipe? O São Bernardo está na frente. O placar é justo?". Aí ele já entra na jogada. Você dá uma dica para ele entrar.
E ele comenta muito bem. É uma lição de vida - disse Anderson Marques, responsável por a partida em questão.
A FACULDADE E O ESTÁDIO
O fato de não enxergar não impediu Felipe de correr atrás de seus sonhos. O rapaz se formou em jornalismo em 2011, e no trabalho de conclusão de curso
abordou a inclusão do deficiente por meio do esporte, com ênfase na capoeira.
Já como profissional de uma rádio do município, a Paraty FM, depois de trabalhar por alguns meses no estúdio, passou a frequentar este ano os estádios
para comentar os jogos do São Bernardo, no Paulistão, e do EC São Bernardo, na quarta divisão paulista
- Isso é muito importante, tanto na questão inclusiva, quanto nas questões pessoal e profissional. Mesmo para quem não está vendo, é bom você sentir a
torcida, a vibração. Até para fazer o comentário é importante. Eu posso falar: "Nesse momento, a torcida está mais inflamada, o time está pressionando,
trazendo a torcida junto". Isso ajuda bastante - completou o comentarista.
Felipe Diogo comentarista deficiente visual (Foto: Cairo Oliveira)
Jornalista de 30 anos passou a frequentar os estádios de sua cidade para comentar neste ano (Foto: Cairo Oliveira)
PAIXÃO PELO RÁDIO E SONHOS
Ao ser perguntado sobre os sonhos que tem na profissão, Felipe não esconde o desejo de um dia comentar jogos do Campeonato Brasileiro e da Copa Libertadores.
Mesmo assim, o jornalista revela que já se sente muito feliz por ter chegado aonde chegou, a exemplo da mãe, Gilberta Diogo, de 61 anos, que logo após
o jogo foi ao estádio buscar o filho.
- Lembro-me dele sempre com o radinho de lado. Sempre. A gente perguntava: qual presente você quer? E ele: um rádio. Eu nunca pensei que isso pudesse acontecer.
Foi maravilhoso para ele, porque ele gosta. Sabemos da luta para quem não tem deficiência, então imagine para o Felipe, que tem. Não sei como vai ser no
futuro, mas ele está aí, remando. O que ele fizer e gostar, a gente vai estar aqui para apoiar - disse Gilberta.
- O rádio, para uma pessoa cega, é um grande companheiro. Então, desde pequeno, sempre escutei muitas transmissões esportivas, em várias emissoras diferentes.
O rádio acompanha muito a pessoa cega. Ele é auto-descritivo, ao passo que a televisão é muito baseada na imagem. O rádio é nosso grande aliado, podemos
levá-lo a qualquer lugar. Para nós ele é muito importante - completou Felipe.
Felipe Diogo comentarista deficiente visual (Foto: Cairo Oliveira)
Felipe ao lado da equipe que trabalhou no duelo entre EC São Bernardo e Usac, no ABC paulista (Foto: Cairo Oliveira)
fonte:globo sporte
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