domingo, 30 de abril de 2017

Camelôs usam pessoas com deficiência para driblar fiscais

Visitar o centro de Belo Horizonte atualmente é quase uma viagem no tempo, de volta à década de 90, quando camelôs tomavam conta das calçadas disputando clientes com o comércio formal. O cenário que renasce, em grande parte por causa da crise econômica, se consolida diante de uma brecha na legislação municipal. Para fugir da fiscalização, os ambulantes estão usando pessoas com deficiência, que têm liberação para o trabalho. Questionada, a prefeitura não falou especificamente da infração, mas informou que “está trabalhando para construir uma solução que atenda os interesses da cidade e dos ambulantes”. A reportagem de O TEMPO passou duas horas no centro na semana passada e encontrou muitos camelôs, comercializando todo tipo de produto, como roupas, cigarros e óculos. Em conversa com muitos dos ambulantes, eles disseram que pagam as pessoas com deficiência, que teriam dificuldade para trabalhar sozinhas, para que elas assumam o posto de vendedor no caso de fiscalização da prefeitura. Apesar de todas essas pessoas usarem bancas ou barracas, o que é proibido, os camelôs afirmam que a fiscalização “não mexe com eles”, nem mesmo para checar se têm a documentação necessária. Legislação. Uma alteração do ano passado no Código de Posturas autoriza que pessoas com deficiências trabalhem como ambulantes. Mas elas precisam de licenciamento prévio e não podem utilizar mesa, banca, carrinho ou outro equipamento que ocupe espaço na rua. Além disso, devem trabalhar sozinhas. A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos informou que a fiscalização acontece diariamente, por meio de monitoramento móvel e em atendimento às demandas da população. Ainda segundo a pasta, houve um aumento nas apreensões. Apenas em janeiro e fevereiro de 2017, foram 2.708, ante 4.330 em todo o ano passado. Em 2015, foram 2.670. O major Renato Salgado Cintra Gil, comandante da 6ª Companhia, responsável pelo hipercentro, conhece a artimanha dos camelôs. “A gente escuta falar que o pessoal contrata pessoas com deficiência, mas não pode confirmar que isso acontece. As pessoas com deficiência podem trabalhar com o que conseguem carregar, mas as bancas, por exemplo, podem ser recolhidas”, disse. CARO Aluguel é razão de volta para as ruas Os camelôs se concentram principalmente na rua São Paulo, no quarteirão da Galeria do Ouvidor, onde há mais de uma dezena deles, e no entorno da praça Sete. Após a retirada dos ambulantes das ruas e de sua transferência para shoppings populares, em uma força-tarefa realizada pela prefeitura em 2003, esses trabalhadores têm retornado no último ano para as calçadas alegando especialmente não conseguir pagar os aluguéis de box nos centros de compras populares, que custam em média R$ 1.400. “Ir para uma loja em shopping popular, longe da fiscalização, seria melhor, mas é mais complicado. Com ela aqui, não tem risco de perder os produtos”, disse um homem, que expõe chinelos em uma banca na praça Sete ao lado de uma mulher com deficiência. Outro camelô, na rua São Paulo, diz que a fiscalização e o número de ambulantes cresceram nos últimos meses. “Quando cheguei, éramos eu e mais dois, e dava para fazer R$ 2.000 por dia. Hoje, é difícil tirar R$ 200”, lamentou o homem, que disse apenas “dividir os lucros” com a pessoa com deficiência ao seu lado. (RM) Apreensões Barro Preto. Os produtos são levados para um depósito e podem ser retirados após pagamento de multa, taxa de depósito e comprovação de origem. O prazo é de 24 horas para perecíveis e de 30 dias para não perecíveis. Quando não há procura, os produtos são doados. Cada ambulante representaria menos duas vagas no comércio A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-BH) defende a remoção definitiva dos camelôs das ruas. Segundo a entidade, cada ambulante significa duas vagas a menos no comércio formal. “Esperamos mais atuação do poder público. Se houver permissividade, o desemprego vai aumentar porque as vendas do comércio formal caem. Os ambulantes muitas vezes vendem mercadorias contrabandeadas e roubadas, sem nenhuma procedência”, afirmou o vide-presidente da CDL, Marco Antônio Gaspar. Para ele, a legislação é falha e deveria ser reavaliada. “A lei determina que pessoas com deficiência não podem ter ajudantes, mas isso não acontece. Como não conseguiriam manter uma banca, geralmente são subempregados por pessoas que querem mão de obra mais barata e fugir da fiscalização”. Já para a assistente social Elaine Cristina, 40, as calçadas lotadas não são um problema. “Não me incomoda. Eles estão trabalhando. Quando eu preciso, compro com camelô, sei o que estou comprando”. (RM) SAIBA MAIS Legislação. Para quem não tem deficiência, só é permitido trabalhar com veículos de tração humana (como pipoqueiros) ou automotores (como lanches rápidos), mesmo assim com licença prévia da prefeitura. Penalidade. O ambulante que exercer atividade sem licença está sujeito a multa, que varia entre R$ 792,75 (fora da avenida do Contorno) e R$ 1.902,65 (dentro da avenida do Contorno), além da apreensão da mercadoria. Artesãos. A atividade de artesãos é permitida em pontos específicos, como a rua dos Carijós, no quarteirão entre praça Sete e a rua São Paulo, na rua Rio de Janeiro, no quarteirão entre praça Sete e rua dos Tamoios, e na praça Rio Branco. A venda de produtos industrializados é proibida. Fonte: site do jornal O Tempo por Rafaela Mansur com fotos de João Godinho.

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