terça-feira, 15 de agosto de 2017

Em dez anos, triplica o número de alunos com deficiência em escolas regulares

No ensino médio da Escola Estadual Maurício Murgel, em Belo Horizonte, uma sequência de gestos pode explicar, por exemplo, a diferença entre ligações covalentes

e iônicas nas aulas de química. Nas turmas, estudantes e professores se comunicam tanto em português quanto na Língua Brasileira de Sinais (Libras), já

que nas classes há alunos surdos e pessoas sem qualquer limitação física ou intelectual.

O cenário reflete os esforços para a inclusão de estudantes com deficiência em turmas mistas nas instituições de ensino públicas e privadas mineiras. Nos

últimos dez anos, triplicou o número de crianças e adolescentes nessas condições matriculados em escolas comuns. O salto foi de 28 mil para 83 mil.

citação
“A convivência entre alunos com e sem deficiência é algo que sempre buscamos. Nossos alunos ouvintes aprenderam a língua de sinais para se comunicarem

com os colegas” (Denise Mundim Furtado, coordenadora pedagógica da E.E. Maurício Murgel)
fim da citação

O incentivo à criação de classes mistas é previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, aprovado em 2015 como lei federal. Mas, ainda que a medida seja

observada nas salas de aula, a inclusão dessas pessoas no ambiente acadêmico segue como um grande desafio. Falta de apoio especializado, despreparo da

comunidade escolar, infraestrutura precária e turmas lotadas são alguns dos problemas apontados pelos estudantes, pedagogos e entidades de defesa dos direitos

dessa população.

Avanço
“A inserção no ensino regular é um grande avanço que democratiza os direitos das pessoas com deficiência”, afirma a coordenadora do Núcleo de Direitos

Humanos e Inclusão da PUC Minas, Carolina Resende. Para ela, as classes inclusivas representam o primeiro passo para o fim do modelo de escolas só para

deficientes, o que ela classifica como “segregação institucionalizada”. Mas Carolina acredita que as redes de ensino ainda não estão preparadas para receber

esses alunos.

A professora, que trabalha com a capacitação profissional de pessoas com deficiências diversas, conta que a maior parte delas termina o ciclo da educação

básica com severos déficits de aprendizagem, dificultando a inserção nos níveis de ensinos técnico e superior. “Muitos não estão nem alfabetizados”.

Referência
Dos 2 mil estudantes da escola Maurício Murgel, 47 possuem deficiência e estão em classes mistas. As aulas são ministradas em voz alta e traduzidas por

um intérprete de Libras, facilitando ao aluno o entendimento do que é dito.

Pela primeira vez, Edson Marques Sabino, 17 anos, estuda em uma escola comum. Deficiente auditivo, ele afirma que está se desenvolvendo mais rápido agora.

“Aprendo melhor do que na escola especial”.

Começar a conviver com ouvintes representa, para Edson, o desafio de conhecer uma nova cultura. “Estranhei um pouco no início, mas é importante termos

essa troca. O contato com ouvintes é bom para evoluirmos na sociedade e é essencial estarmos juntos. A inclusão está acontecendo aqui”, observa.

Fernanda Carvalho

Inclusão Emily

Depois de ficar cega, Emilly sofreu com a falta de compreensão dos antigos colegas de classe; hoje, a garota de 13 anos estuda no Instituto São Rafael


Aprendizado de qualidade é entrave na inclusão de estudantes

O principal entrave para a inclusão nas escolas comuns é o aprendizado de qualidade. A falta de preparo para atender às necessidades de Miriam do Couto,

de 16 anos, foi o que levou a adolescente cega a largar a escola em que estudava, em Alvinópolis, região Central do Estado. Nenhum dos docentes sabia ler

braille e a estudante não tinha apoio em sala de aula.

“A professora explicava a matéria para os outros alunos, eles escreviam tudo no caderno e eu ficava jogada em um canto, sem aprender nada”, conta. Hoje,

Miriam é aluna do Instituto São Rafael, escola especial que atende deficientes visuais na capital mineira.

citação
“Na escola comum eu tinha que escrever e fazer as contas o mais rápido possível, senão o professor apagava. Agora consigo copiar tudo no tempo certo” (Emilly

Carvalho, deficiente visual)
fim da citação

A entidade oferece cursos de capacitação, produz material em braille e em tinta para o ensino comum e dá suporte para instituições regulares. Diretora

do São Rafael, Juliany do Amaral acredita que as instituições especializadas devem apoiar as práticas de inclusão na rede comum. “A inclusão não veio para

fechar as escolas especiais. Somos aliados. Podemos e devemos ajudar a orientar os profissionais das instituições regulares a inserir os alunos com cuidado”.


Preconceito

Além de um ambiente com infraestrutura precária, a deficiente visual Emilly Carvalho, de 13 anos, teve que conviver com o preconceito dos colegas em uma

escola comum. “Sofri muito bullying depois de ficar cega. As pessoas da sala jogavam bolinha de papel em mim, pegavam meus materiais e saíam correndo.

Eles deviam ser mais compreensivos e gentis”.

Com a situação hostil, a mãe da menina se viu forçada a transferi-la para o São Rafael. Leila Aparecida Silva, de 39 anos, lamenta que a filha não tenha

conseguido seguir em uma classe mista pelo despreparo da instituição.

“Seria ótimo se a Emilly pudesse socializar com alunos videntes (que enxergam), mas essa inclusão só existe no papel, não há qualquer trabalho de orientação

aos estudantes e professores para lidar com as pessoas com limitações sem preconceitos”, argumenta.

Fernanda Carvalho

Miriam deficiente visual

Miriam largou a escola onde estudava em Alvinópolis, na região Central de Minas, porque os profissionais não estavam preparados para lidar com as limitações

dela

Em Minas, unidades especiais da rede estadual de ensino podem virar centros de apoio

O movimento de inserção das pessoas com deficiência no ensino comum reflete uma série de políticas voltadas para assegurar os direitos delas. No Brasil,

as matrículas de alunos com limitações nos colégios regulares cresceram 161% de 2007 a 2016, enquanto as escolas especiais deixaram de ser a primeira opção

de muitas famílias. Hoje, as instituições especializadas têm metade dos estudantes que tinham há dez anos.

Na rede estadual mineira, só 2.563 dos 43.002 dos deficientes matriculados estão em escolas especiais, conforme a Secretaria de Estado de Educação. Diretora

de Educação Especial da pasta, Ana Regina de Carvalho espera que até 2019 as instituições da rede deixem de ofertar o ensino especial e passem a funcionar

como centros de apoio para as demais escolas. Hoje, há 26 unidades especiais em Minas, enquanto 3.245 instituições estaduais regulares recebem alunos com

deficiência. “À medida que a inclusão se fortalece, as pessoas começam a buscar as escolas comuns”, diz.

Mudanças necessárias

Mas só colocar os estudantes em salas mistas não é suficiente, ressalta Rodrigo Mendes, presidente do Instituto Rodrigo Mendes, uma das referências na

defesa da inclusão das pessoas com deficiência em escolas comuns. Para ele, a inserção deve ser acompanhada por uma série de mudanças na estrutura e no

ambiente escolar e de preparo da equipe de ensino.

“Devemos investir continuamente na formação dos educadores e na adaptação da arquitetura da escola. É fundamental o planejamento das aulas, das estratégias

de ensino e do projeto pedagógico, além de utilizar material didático adequado às necessidades dos estudantes”, diz.

Editoria de Arte

Fonte: site do Jornal Hoje em Dia por Malu Damásio com fotos de Maurício Vieira e Fernanda Carvalho.

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