terça-feira, 12 de setembro de 2017

Deficientes são vítimas de 1 em cada 10 estupros registrados no país

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CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAead/imgad

Por dez anos, a deficiente intelectual Joana foi estuprada pelo próprio pai, na casa da família em Sumaré (SP). Maria, deficiente visual e auditiva, era

abusada pelo motorista da van escolar, em Araraquara. Ana, com deficiência mental, foi violentada em um assalto, em Guarujá.

Os nomes são fictícios, mas os casos bem reais. Aconteceram no Estado de São Paulo, onde diariamente os hospitais atendem ao menos um caso de
pessoa com deficiência vítima de estupro.
Foram 368 casos no ano passado.

LTLoZ frame
ESTUPRO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Quase uma em cada 10 vítimas tem algum transtorno

Estupros notificados em hospitais
Vítima com transtorno ou deficiência
2016*
22.991
12.087
2011
16.104
2012
19.129
2013
20.085
2014
20.677
2015*
22.991
2016*
*Dados de 2015 e 2016 são preliminares e estão sujeitos a alteração Fontes: Ministério da Saúde/Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notifica dados
inéditos constam em levantamento do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, feito a pedido da Folha.
As informações são colhidas em hospitais públicos e privados.

Em cinco anos, o número de deficientes estuprados quase dobrou no Brasil, passando de 941, em 2011, para 1.803, em 2016. Os casos representam quase 8%

dos estupros atendidos pelos serviços de saúde, que totalizaram 22.991 no ano passado. Para o ministério, o aumento não significa que estejam ocorrendo

mais casos, mas sim que os municípios passaram a notificar mais esse tipo de ocorrência.

"Em 2011, começou a implantação do sistema. Só a partir de 2015, 2016, é que o sistema ficou mais estável e que vai ser possível observar a evolução",

diz Fátima Marinho, diretora de doenças e agravos não transmissíveis do Ministério da Saúde.

A deficiência mental está presente em 41% dos casos de estupro, seguida da intelectual e do transtorno de comportamento (39% e 23%, respectivamente). Deficiências

física, visual e auditiva somam outros 17%. Quase 24% dos brasileiros (45 milhões de pessoas) possuem algum tipo de deficiência, segundo o IBGE.

Apesar de representar só uma parcela dos estupros (nem todas as vítimas são levadas aos hospitais e 40% dos municípios ainda não reportam os dados), os

números da saúde são os únicos a fazer esse recorte. A polícia não separa as vítimas deficientes de outras vulneráveis (como crianças e idosos).

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TIPO DE TRANSTORNO OU DEFICIÊNCIA DA VÍTIMA

Em % (Dados de 2016 sujeitos a alteração)

Outros
41
Transt. mental
39
Def. intelectual
23
Transt. comportamental
9
Def. física
4
Def. visual
4
Def. auditiva
12
Outros
Fontes: Ministério da Saúde/Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) e IBGE
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Segundo Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que estuda a violência sexual no Brasil há mais de 20 anos, outro

dado inquietante é que essas vítimas têm mais chances de sofrer estupros recorrentes.

Em estudo que avaliou dados do Sinan até 2014, Cerqueira concluiu que 36% de todas as vítimas de estupro possuíam um histórico de abusos anteriores. Entre

as que tinham algum tipo de deficiência, a taxa foi de 42%. "É algo bestial", diz ele.

"Muitos dos abusadores são conhecidos dessas vítimas e aproveitam da condição de fragilidade, de vulnerabilidade", lembra Fátima.

É o caso do pai de Joana, de 68 anos, preso no mês passado. Segundo a jovem, os abusos começaram após a morte da mãe, há uma década. Denunciado por uma

conhecida da família, o pai confessou o crime à polícia.

Em maio deste ano, outro caso semelhante chocou Mato Grosso. Um homem de 34 anos foi preso em flagrante em Sinop (a 480 km de Cuiabá) por estupro da própria

filha de 13 anos, com paralisia cerebral. O crime foi denunciado pela mãe da menina.

"Um caso traumático, muito brutal, pois a menina vive em estado vegetativo, não consegue se comunicar, muito menos se defender", disse o delegado Carlos

Muniz.

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TAXA DE ESTUPROS DE DEFICIENTES

Por 100 mil habitantes, por Estado*

Maranhão
2,61
Tocantins
2,2
Acre
1,63
Rio Grande do Sul
1,58
Distrito Federal
1,56
Roraima
1,43
Espírito Santo
1,3
Paraná
1,20
Minas Gerais
1,18
Piauí
1,04
Mato Grosso do Sul
0,99
Goiás
0,9
Rondônia
0,83
Pernambuco
0,82
São Paulo
0,82
Santa Catarina
0,79
Rio de Janeiro
0,79
Mato Grosso
0,70
Amazonas
0,65
Alagoas
0,64
Amapá
0,62
Para
0,42
Bahia
0,35
Ceará
0,35
Rio Grande do Norte
0,28
Paraíba
0,26
Sergipe
0,2
Maranhão
*Dados de 2016 são preliminares e estão sujeitos a alteração Fontes: Ministério da Saúde/Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) e IBGE


ConDADE

O alto número de crianças violentadas, que já apareceu em estudos anteriores, também salta aos olhos no levantamento do Sinan: 73% das vítimas de estupros

são menores de idade –26% têm menos de nove anos.

"Os dados da saúde trazem um aspecto duplamente odioso que os dados policiais não haviam captado até agora: a vulnerabilidade relacionada à idade e às

deficiências", observa Cerqueira. Tocantins, Acre e Rio Grande do Sul são os Estados que, proporcionalmente, tiveram taxas mais altas de estupros de deficientes

em 2016 –com 2,6, 2,2 e 1,6 casos por 100 mil habitantes, respectivamente.

Segundo Fátima Marinho, é preciso cuidado na avaliação das diferenças regionais porque em muitos locais, especialmente nas cidades pequenas, os profissionais

de saúde ainda têm dificuldade de reportar casos de estupro, especialmente de crianças, porque são frequentemente ameaçados pelos criminosos.

"Às vezes, a criança aparece com herpes genital [doença sexualmente transmissível], a pediatra denuncia o abuso sexual, a polícia vai até a casa do acusado

e ele aparece na unidade de saúde para ameaçá-la. Os profissionais ficam sem proteção."

Karime Xavier - 8.ago.2017/Folhapress
ANA (nome fictício)18, estudante foi vítima do estupro coletivo de Castelo do Piauí, no ano de 2015.
Estudante vítima de estupro coletivo em 2015
fonte folha de s.paulo

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