segunda-feira, 4 de março de 2019

“Tive que optar entre ficar cega ou abortar e voltar a ver. Decidi ser mãe” 

Márcia Bonfim conta sobre a perda de visão durante a primeira gravidez:
suas dificuldades, escolhas e quais adaptações fez para se adequar à
nova rotina
como mãe

Foto de Márcia, uma mulher morena de cabelos curtos e escuros, com uma
menina de aproximadamente três anos no colo
Confira a matéria de Bárbara Therrie para o UOL VivaBem, sobre Márcia
Bonfim, que perdeu a visão durante sua primeira gestação:

Meses após descobrir que estava grávida, Márcia Bonfim Vieira, 39 anos,
ficou completamente cega. Os médicos disseram que uma cirurgia
recuperaria 80%
da sua visão, mas ela precisaria interromper a gravidez para operar. Ela
recusou e a seguir conta como é a maternidade na deficiência:
“Engravidei aos
15 anos de idade e, dois meses depois, peguei uma infecção (uveíte) e
perdi a visão gradativamente. Meus olhos ficaram avermelhados e
doloridos, parecia
conjuntivite. Com o tempo, minha visão ficou turva, eu via vultos, as
coisas duplicadas e, a cada dia, enxergava menos. Em 40 dias, fiquei
completamente
cega.

Eu me mantive calma diante da situação, achei que fosse um problema
passageiro e que voltaria a enxergar. Com cinco meses de gestação,
médicos dos Estados
Unidos estudaram o meu caso em um hospital de Curitiba e disseram que
tinham a solução para eu recuperar 80% da visão.

Eles fariam uma cirurgia a laser, mas, para isso, eu precisaria
interromper a gravidez, porque os procedimentos poderiam afetar a
criança, deixando-a com
sequelas e até mesmo levando-a a óbito. Comecei a chorar, entrei em
pânico e respondi: ‘Jamais vou abortar, abro mão da minha visão para ser
mãe. Tem uma
vida no meu ventre que depende de mim. Se o preço é continuar cega, vou
pagar por isso.’

Os médicos me aconselharam a aceitar o tratamento, falaram que eu
poderia ter outros bebês no futuro. Respondi que um filho não substitui
o outro.

Não foi uma decisão difícil, estava convicta da minha escolha. A Lariany
nasceu no dia 30 de julho de 1994. No início, fiquei insegura pensando
como cuidaria
dela cega, mas depois fiquei tranquila. Uma mãe nasce junto com uma
filha. Meu ex-marido e minha ex-sogra me ajudaram no começo e, aos
poucos, fui descobrindo
a maternidade na deficiência. Enxergava a minha filha com as mãos,
tocava em cada parte do corpinho dela para conhecê-la.

Minha audição também era boa. Eu sabia diferenciar quando ela estava
chorando de fome, era um choro mais manhoso. Já quando estava com dor, o
som era mais
alto e estridente.

Casei com um homem com baixa visão e tive outra filha

Eu me separei do pai da Lariany quando ela tinha sete anos. Em 2011,
conheci o meu atual marido, o Ivanilson, que tem baixa visão. Ele é cego
de um olho
e enxerga 5% com o outro. Nos conhecemos durante um treino de goalball
–esporte desenvolvido para pessoas com deficiência visual. Nos
aproximamos, começamos
a namorar e, seis meses depois, fomos morar juntos.

Em 2014, planejamos a gravidez da Lorena. Meu marido tinha receio de que
nossa filha nascesse cega e temia pelas dificuldades que poderia ter ao
longo
da vida, como se locomover, estudar, trabalhar, não poder dirigir. Eu
não me preocupava com isso, dizia que se acontecesse, Deus a mandaria
para a família
certa, nós.

Montei o enxoval dela sozinha. Pedia às vendedoras para separar todas as
peças rosas, lilás e brancas. Tocava as roupas para sentir o tecido e o
formato
para ter certeza que a modelagem era bonita. Evitava peças com muitos
botões, zíper e dobras, optava pela praticidade. Organizava o armário
dela pelo tipo
de roupa e cor. Exemplo: colocava os vestidos lisos de um lado e os
coloridos do outro.

A Lorena nasceu no dia 23 de junho de 2015 com a visão perfeita. Nos
primeiros 20 dias de vida dela, meu marido e eu fomos para a casa da
minha sogra para
ela nos ajudar. Minha maior dificuldade foi a amamentação. Um dia, ela
se afogou enquanto mamava no meu peito e ficou roxa. Minha sogra viu e a
socorreu.
Eu fiquei traumatizada.

Quando ela era bebê, eu dava banho nela no meu colo no chuveiro. Cortava
a unha da mão dela com o meu dente, não conseguia com a tesoura. Às
vezes, ela
fazia xixi e cocô na minha mão enquanto trocava a fralda. A hora da
comida era uma aventura, a Lorena fazia birra e confesso que não era boa
nessa tarefa
(risos). Eu acertava a cabeça, o olho, a orelha da bebê, até acertar a
boca dela. Ela ficava toda suja, era engraçado.

Eu e meu marido somos bastante participativos na educação dela. Ela tem
um tapete do alfabeto em EVA (tipo de borracha). Como é em alto-relevo,
consigo
saber quais são as letras pelo tato e formar as palavras com ela. Nós
ensinamos as cores com base em referências, por exemplo, falamos que o
amarelo é
o sol, azul é o céu, verde é a árvore. Desenhamos com ela contornando
objetos, como moedas; ou partes do corpo humano, como as mãos.
Inventamos e contamos
histórias conhecidas para ela dormir.

A Lorena tem três anos e sete meses e já entende que temos deficiência
visuals. Explicamos a ela que temos ‘dodói’ e não a enxergamos com os
olhos, mas
com o coração. Ela cuida da gente. Em 2017, fiz uma cirurgia para
retirar os olhos e passei a usar próteses. Eu uso bengala e quando
saímos, ela me avisa
quando tem degrau, escada, calçada.

Nunca me arrependi da minha escolha. Fiquei sem enxergar e, se preciso
fosse, ficaria sem as pernas, os braços ou qualquer outra parte do meu
copo. Daria
a vida pelas minhas duas filhas. A maternidade me ensinou a ser forte e
a não desistir, é vivendo que se aprende. Sou cega e feliz. Quebrar
obstáculos
é o meu esporte favorito.”

Fonte:
UOL VivaBem Site externo

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