quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A inconstitucionalidade do Decreto 9546/2018 sobre Concurso Público e a Pessoa com Deficiência

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

É urgente a necessidade de revogação desse decreto!

A matéria abaixo foi extraída do site
Inclusive.
Por Adriana Monteiro da Silva*

“Todo mundo é um gênio. Mas, se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore, ele vai gastar toda a sua vida acreditando que é estúpido.”


A frase acima circula na Internet sendo erroneamente atribuída a Albert Einstein. Essa sentença, de forma inesperada, ganhou sua tradução jurídica no
Decreto nº 9.546,
publicado em 31 de outubro de 2018.

O novo decreto exclui a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência e estabelece que os critérios de aprovação dessas provas

poderão seguir os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos. Resumindo: dá uma base jurídica para a exclusão dos candidatos com deficiência física

de concursos públicos.

Evidentemente, o decreto foi publicado sem a escuta e participação dos prejudicados apesar de afetar diretamente a vida das pessoas com deficiência.

Lembre-se que a Lei 8.112 de 1990, já previa reserva de 20% das vagas oferecidas no concurso às pessoas com deficiência. Essa lei e outras normas têm sofrido

regulamentações ao longo dos anos, sempre com o objetivo de trazer autonomia, protagonismo e cidadania às pessoas com deficiência.

Em 2007, o Brasil assinou, juntamente com 192 países, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Em 2009, foi publicado o Decreto 6949, que

elevou a Convenção Internacional ao status de Emenda Constitucional por força da Emenda 45 – passando a Convenção a ser lida como se na Constituição estivesse.


A Convenção revolucionou toda perspectiva de inclusão dessa população, adotando o lema “Nada sobre nós sem nós”, onde as pessoas com deficiência exigiam

que nada que lhes dissesse respeito fosse discutido sem sua participação ativa.

Nesse sentido, o artigo 27 da Convenção Internacional que trata do direito ao trabalho e emprego prevê que os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas

com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e que tal direito abrange o direito à oportunidade de se manter em ambiente

de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Consequentemente, os Estados que a assinaram se comprometem a proibir a discriminação

baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas ao mundo do trabalho e se comprometem, também, a empregar pessoas com deficiência

no setor público.

A Convenção é a base da Lei Brasileira de Inclusão de 2015 e tem como objetivo a remoção das barreiras que impeçam ou prejudiquem a participação social

da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.

O artigo da mesma lei ainda define que é vedada a restrição ao trabalho da pessoa com deficiência seja antes da relação de trabalho (nas etapas de recrutamento,

seleção, contratação e admissão) assim como na permanência no emprego e ascensão profissional. A Lei proíbe também a exigência de aptidão plena.

Resgatado tal histórico de construção de direitos, salta aos olhos a inconstitucionalidade e ilegalidade do Decreto 9546/2018 que vão em sentido contrário

ao dito acima.

O inciso IV do artigo 3º do Decreto citado estabelece:

(…) VI – a previsão da possibilidade de uso, nas provas físicas, de tecnologias assistivas que o candidato com deficiência já utilize, sem a necessidade

de adaptações adicionais, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência.”

A oração “que o candidato já utilize, sem necessidade de adaptações adicionais” compromete a inclusão de muitos e a igualdade de oportunidades, já que

nem sempre as adaptações de vida cotidiana abrangem as adaptações necessárias no momento do certame. O inciso também isenta o Estado e as instituições

organizadoras de sua obrigação de adaptar individualmente o concurso.

Assusta ainda mais o prescrito no parágrafo 4º do artigo 4º do Decreto em discussão:

“Art. 4º (…)

§ 4º. Os critérios de aprovação nas provas físicas para os candidatos com deficiência, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório

ou no período de experiência, poderão ser os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos, conforme previsto no edital.”

Ao ignorar a deficiência do candidato, o Decreto cria uma situação de concorrência desleal, adotando os mesmos critérios para pessoas com e sem deficiência.

O decreto, assim, acaba com o direito de acesso.

É importante salientar que as vagas destinadas às pessoas com deficiência já pressupõe cargos compatíveis com a deficiência do pretendente. Não se pode

confundir a prova em si com o exercício do cargo e a norma deixa claro que essa avaliação se dá durante o estágio probatório.

Os incisos acima citados ferem de morte o direito ao acesso e violam as normas da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que possui status

de norma constitucional e contrariam a Lei Brasileira de Inclusão.

Não temos o direito de retroceder em conquistas tão árduas. Cada passo para trás aumenta a exclusão, a marginalização e a invisibilidade das pessoas com

deficiência. Cada retrocesso, não fere apenas as pessoas com deficiência, fere a cada um de nós enquanto humanidade.

*Adriana Monteiro da Silva é advogada e proprietária do escritório Adriana Monteiro Advocacia Jurídica, sediado em Brasília. É conselheira da Comissão

de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB/DF.

Vera Garcia
fonte deficiente ciente


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