quinta-feira, 24 de setembro de 2015
Sem a visão, o que contribui para uma boa arquitetura?
Chris Downey, cego, arquiteto e membro do Conselho de Arquitetura de San Francisco
Numa certa manhã de outono na cidade de San Francisco, Califórnia (EUA), Chris Downey, arquiteto, passou a longa bengala branca sobre um par de amostras
de azulejos espalhados no chão, a seus pés no escritório de uma empresa de arquitetura, a SmithGroup. Reunidos em torno dele, um punhado de arquitetos
o observavam. Eles queriam saber qual delas Downey iria escolher para o novo centro de reabilitação para cegos no Veterans Administration Hospital em Palo
Alto. Downey olhou para Eric Meub, vice-presidente da empresa (não para ele, exatamente, apenas por cima do ombro) e vaticinou: "O da direita é distinto
em qualquer direção", disse Downey. "O outro tem uma direção preferencial." Para um paciente cego que ainda está aprendendo a usar uma bengala, o primeiro
azulejo daria um feedback mais exato.
Houve um silêncio constrangedor. Os outros arquitetos entreolharam-se. Downey riu. "Então você está dizendo que o da direita é o que não parece tão bom",
disse Eric, sorrindo.
Em 2008, Downey mal tinha iniciado seus trabalhos de arquitetura em uma elegante empresa de design ecológico. Algumas semanas depois que assumiu o cargo,
Downey notou algo de errado com sua visão. Um tumor estava enrolado em torno de seu nervo óptico e ele precisou de uma cirurgia imediata. Quando acordou,
estava tudo embaçado, mas ele podia ver. "Cinco dias depois, tudo ficou escuro”, disse Downey.
Mesmo assim, ele voltou para o escritório, mas já não podia usar o software de design. E nem ler os projetos. Alguns meses se passaram e a empresa foi
apanhada pela crise na habitação que se abateu sobre os EUA em 2009. Downey agendara uma conversa com o dono da empresa, um velho amigo, para descobrir
como poderia ser mais útil. Ele estava em uma estação de trabalho e, quando o dono chegou, Downey podia dizer pelo som de seus passos que não seria o tipo
de conversa que ele estava planejando ter.
San Francisco estava cheio de arquitetos demitidos. Downey foi apenas mais um. Porém sua cegueira acabou se tornando uma credencial interessante. Tempos
depois, a SmithGroup e uma outra empresa, a Design Partnership, contrataram-no como consultor.
Os arquitetos empilhados em volta das amostras de azulejos foram para uma sala de conferências. Projetos cobriam uma longa mesa. Eles foram impressos em
Braille, em grandes folhas brancas de papel duro. Pouco antes de ser demitido, Downey tinha encontrado um cientista da computação cego que tinha inventado
uma forma de imprimir mapas on-line através de uma impressora tátil e que trabalhava com desenhos arquitetônicos também. Eric Meub conduz a mão de Downey
e o orienta para obter detalhes sobre os planos, enquanto eles conversam. "No começo eu pensei, bem, isso vai ser uma limitação”, confessou Eric, “mas
então eu percebi que a maneira como ele lê seus desenhos não é muito diferente da maneira como experimentamos o espaço. Ele anda através de um plano com
o dedo indicador, descobrindo as coisas - e caramba! - ele está andando pelo prédio!”.
E, neste ‘caminhar’, Downey deparou-se com um banheiro no final de um corredor. Ele percebeu que um cano passaria pelo lado errado. Assim como o porta
papel-toalha e a lixeira embutida perto da pia. “Você entra, lava as mãos... e agora, onde está a toalha de papel? Você começa a tatear pelas paredes para
encontrar a toalha de papel, e, depois de encontrá-lo, precisa lavar as mãos novamente”, explicou Downey que costuma afirmar que "os banheiros são misteriosos"
- especialmente os institucionais, como em aeroportos e rodoviárias - "e são todos tão diferentes".
Downey e os arquitetos conversaram sobre outras questões. Colunas de suporte, que pareciam prováveis para prender uma bengala. Uma escadaria que levaria
os pacientes para o centro de uma sala grande e desconcertante. E o pátio. O projeto mostrava um espaço retangular, dividido ao meio. Metade seria uma
área de estar, a outra metade um jardim suspenso. Mas o jardim que tinham projetado não seria viável para cegos, disse Downey. Ele, então, sugeriu uma
divisão do jardim, e em seguida, sugeriu transformar a área de estar em novas opções de caminhos. Dessa forma, os pacientes poderiam apreender o tamanho
do pátio, e explorar o jardim através do tato e do olfato. Ele também sugeriu uma fonte. Seria para resfriar o pátio. Além disso, o som do jorrar da água
iria ajudar os pacientes a perceber o espaço ao seu redor e orientar-se dentro dele.
"Como arquitetos, somos animais visuais", disse Downey. "O enigma interessante para mim, então, é: se você tirar a visão desta equação, o que contribui
para uma boa arquitetura?".
Atualmente, Chris Downey é membro do Conselho de Arquitetura e desenvolve a representação tátil do novo Transbay Transit Center, que irá abranger quatro
quarteirões em um distrito de San Francisco. Chris foi contratado para trabalhar os recursos de acessibilidade do prédio, que será de grande benefício
para os passageiros cegos.
(Fonte: The Atlantic)
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