quarta-feira, 30 de setembro de 2015

AUDIODESCRIÇÃO NO MARACANÃ: SERVIÇO COMEÇA EM OUTUBRO

A experiência de ir a uma partida de futebol já fez parte do domingo de quase todo mundo pelo menos uma vez na vida. Agora, o Maracanã vai oferecer um serviço que se propõe a estender o o hábito àqueles que não podem ver o que acontece dentro de campo. A partir de outubro, os deficientes visuais poderão usufruir da narração audiodescritiva nos jogos do Campeonato Brasileiro no estádio. O modelo da narração audiodescritiva para o esporte foi desenvolvido primeiramente na Europa. A Áustria, por exemplo, já tem essa atividade para fórmula 1, vôlei, basquete e até o ski. A técnica consiste em uma tradução intersemiótica, ou seja, transformar algo visual em algo falado. Aqui no Brasil, tudo começou durante a Copa do Mundo, em 2014. A ONG URECE – Esporte e Cultura para Cegos foi a responsável pela iniciativa no ano passado e assume a implementação do serviço de audiodescrição no Maracanã, em uma parceria com a área de sustentabilidade do estádio. Audiodescrição no Maracanã: panorâmica do Estádio após a reforma "A narração audiodescritiva é um recurso de tecnologia assistiva para proporcionar uma experiência mais completa para torcedores que tenham deficiência visual. O futebol, que é o que a gente está tratando aqui, é essencialmente visual, e uma pessoa que não enxerga perde muita informação. O objetivo da ferramenta é fornecer essas informações visuais para que a pessoa compreenda o futebol como um espetáculo como um todo", explica Mauana Simas, coordenadora do projeto e representante da URECE. Ela conta que no Brasil o serviço chegou primeiro para o futebol em função do acaso da realização do Mundial no país, mas também pela relação do brasileiro com esse esporte: "o futebol é muito mais fácil logisticamente de pensar dessa forma, porque já existem muitas pessoas que conhecem o vocabulário do futebol e é muito mais fácil de você treinar essa habilidade de descrever quando a pessoa já tem esse repertório. É ensinar muito mais a ferramenta da audiodescrição" afirma Mauana, que completa dizendo que era um desejo da URECE dar continuidade à iniciativa para o Campeonato Brasileiro, já que os equipamentos usados durante a Copa foram doados para a ONG. Audiodescrição no Maracanã: Narração diferente do rádio Para quem não está familiarizado com a narração audiodescritiva, em um primeiro momento, o mais comum é relacionar com as narrações dos jogos de futebol nas rádios. Mas, segundo Mauana, existem diferenças significativas, que, para o deficiente visual, alteram a percepção da partida e também da experiência como um todo: "a diferença entre a narração audiodescritiva e a narração para rádio é a pergunta número um que todas as pessoas fazem. Acho que a diferença é que quem acompanha no rádio e quem faz para rádio faz pensando que a pessoa que ouviu pode ver, em algum momento, aquela narração. Já a narração audiodescritiva trabalha pensando que a pessoa vai ter que sair do estádio sentindo aquela emoção e entendendo todos os elementos visuais que uma experiência dentro de um estádio de futebol oferece", diz ela. "Acho que o melhor exemplo disso é que enquanto o cara da rádio está fazendo teste de fôlego, muitos e muitos segundos gritando ‘gol’, a narração audiodescritiva já avisou que foi gol e já está contando tudo o que está acontecendo depois, como a comemoração, se o jogador levou cartão amarelo por ter tirado a camisa ou coisas assim. Quando esses elementos visuais não são passados para a pessoa, tem muita informação a nível cultural que ela perde". Segundo Mauana, na narração audiodescritiva são evitados os bordões, não tem publicidade e a principal proposta é narrar para quem está dentro do estádio e livre de julgamentos: "a narração audiodescritiva não se propõe a julgar ou determinar ou criar uma certa concepção daquilo. Ela se propõe a somente descrever aquela ação, também equilibrando com uma emoção, com um nível de intensidade de voz e tudo mais. A gente ainda está buscando essa linguagem, porque como é uma coisa muito nova, ainda está aparando muitas arestas. Mas a gente propõe essa linguagem que não opina, que não faz piada, que apenas descreve o que aconteceu". Na prática, a transmissão funciona com dois locutores se revezando na narração. Através de uma frequência de rádio FM, com um alcance de um raio de aproximadamente um quilômetro, qualquer pessoa, em qualquer lugar do Maracanã, pode escutar a descrição. Com um equipamento semelhante ao de uma rádio comunitária e uma antena que fica dentro do estádio, não há um delay entre o momento em que a ação acontece e a hora que a informação chega aos ouvidos do público. É em tempo real. Até por isso, Mauana afirma que uma das principais habilidades que um narrador audiodescritivo deve ter é o timing, ou seja, conseguir narrar no tempo exato da bola: "ele precisa ter o tempo da bola, porque nosso objetivo é fazer com que a pessoa tenha a reação ao mesmo tempo da torcida que está vendo. O timing do narrador tem que ser muito preciso. Além disso, acho que ele precisa se despir um pouco desses hábitos visuais que a gente tem e vícios de linguagem de presumir, para apenas descrever a ação e deixar que o deficiente visual tire suas próprias conclusões do lance" entende ela. Audiodescrição no Maracanã: imagem de um jogo de futebol Audiodescrição no Maracanã: Participantes são voluntários Para encontrar e formar as pessoas que farão as narrações nas partidas do Brasileirão, a URECE buscou voluntários, priorizando pessoas com alguma ligação com o futebol e com um perfil dentro da área de comunicação e jornalismo. Após uma triagem online, um curso preparatório presencial foi realizado durante dois dias no próprio Maracanã, além de um teste ao vivo durante uma partida oficial. Foram quase 80 pessoas inscritas e pouco mais de 20 selecionados para o treinamento. Mauana projeta que, em um futuro próximo, seja possível profissionalizar essas narradores, visando a possibilidade de oferecer o serviço durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Ela acredita na importância da narração audiodescritiva para incentivar a inclusão dos deficientes visuais: "o grande impacto social da narração audiodescritiva é ser um serviço que é pensado para tirar as pessoas com deficiência de casa, colocá-las em uma experiência que para a gente que é brasileiro, gostando ou não muito de futebol, é uma coisa muito vibrante e existe toda uma relação do nosso povo, da nossa sociedade, com esse esporte em especial. Fazer com que essa pessoa possa ter uma experiência o mais próximo possível ao que as outras pessoas ao redor delas têm". Já do outro lado, os deficientes visuais elogiam o fato de terem agora um serviço pensado exclusivamente para eles: "as pessoas que não enxergam estão sempre atrás da informação em um mundo que é visual. A gente está sempre adaptando os outros sentidos para correr atrás da informação. E quando vem um serviço como a narração audiodescritiva, que é concebido para mim, uma pessoa cega, a gente quebra uma porção de paradigmas. A gente mostra que o cego é cliente, que o cego é consumidor, que a pessoa com deficiência não é coitadinha, que ela também busca serviços. E é muito emocionante saber que tem gente pensando em um serviço que é feito para mim, que é feito para um torcedor que vem ao Maracanã, que não está vendo o campo mas que ama futebol" diz Marcos Lima, um dos fundadores da URECE e ex-atleta paralímpico. "Em vários momentos me senti participando do jogo. Antes eu vinha ao estádio e ouvia no rádio, mas o locutor fala para todo mundo. Aqui não, esse aqui foi voltado para o deficiente visual. Realmente ele fez que os olhos dele fossem os meus. A importância de ter esse serviço é fundamental. Um cego vai conseguir acompanhar quase que 100% do jogo. Isso para a gente é fundamental, porque assim você realmente está dentro do estádio. O deficiente visual interage realmente com o jogo", conta Roberto Paixão, atleta paralímpico do judô, que, mesmo pouco familiarizado com o futebol, afirmou que com a narração audiodescritiva ficou com mais vontade de voltar ao Maracanã. Fonte: Jornal O Globo

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