sexta-feira, 20 de março de 2015

 AS CONTROVÉRSIAS INTERPRETATIVAS DA DEUSA TÊMIS

Uma reflexão sobre planos de saúde e direitos das pessoas com deficiência Wiliam machado Sabe-se que o reajuste da mensalidade de planos de saúde por mudança de faixa etária fere o Estatuto do Idoso (lei 10741/03). Em seu artigo 15, parágrafo 3º, lê-se que está vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Numa manobra das operadoras dos planos de saúde, contudo, o tema também foi regulamentado pela resolução 63 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que definiu os limites a serem respeitados para a adoção de preço por faixa etária nos planos privados de saúde contratados a partir de 2004. Para eles, não pode haver aumento a partir dos 60 (sessenta) anos. Nesse sentido, de acordo com a ANS, antes de atingir essa idade, o consumidor pode sofrer aumento por mudança de faixa etária. Maquiavelicamente, instituíram 10 faixas etárias que variam de 0 a 58 anos, deixando as pessoas que completam 59 anos, um ano antes de ser consideradas idosas e sem que possam ser enquadradas no Estatuto do Idoso, expostas às correções abusivas nos valores das mensalidades e a mercê de interesses espúrios dessas famigeradas operadoras de planos de saúde. Ainda que o reajuste aos 59 anos encontre respaldo no ordenamento legal vigente, ele será nulo quando verificada abusividade e excessiva onerosidade para as pessoas. No caso de pessoa com deficiência, mais grave ainda, por desconsiderar que as mesmas têm características específicas de dependência sensorial/funcional, com substantiva necessidade de arcar com despesas adicionais para contratação de acompanhante/cuidador, essenciais para ajudar no desempenho das atividades cotidianas. Destarte, admitir tão elevado aumento em idade crítica significaria, sobretudo, inviabilizar a continuidade do contrato por parte do consumidor, após longos anos de contribuição, o que, à luz da Constituição Federal, não se admite. Menos admissível à pessoa com deficiência, cujo processo de reabilitação deve ser de longo prazo e de custos elevados, sob pena de graves comprometimentos ósseos, articulares, musculares, auditivos, visuais, etc. Importante destacar que, de acordo com o artigo 6º, III e IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre os diferentes serviços, com especificação correta de características como qualidade e preço, sobre os riscos que apresentem, bem como à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva. Da mesma forma, contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. O artigo 46 prevê que os contratos que regulam as relações de consumo não podem obrigar os consumidores se não lhes é dada a chance de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou se forem redigidos de maneira a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Uma vez imposta ao consumidor tal prática abusiva, resta-lhe recorrer ao Judiciário para, com base no Código de Defesa do Consumidor, afastar tais reajustes. As ações judiciais, inclusive, encontram apoio na jurisprudência para respaldar o questionamento contra reajustes abusivos nos planos de saúde, a exemplo do emitido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Cível nº 0070305-70.2010.8.26.0224). Lamentavelmente, o que se constata na vida prática não é bem isso, as coisas transcorrem em letárgico ritmo, frequentemente, favoráveis às operadoras de planos de saúde. Dando voz a inúmeros pares, registro minha experiência para ilustrar o que ocorre nos bastidores desse injusto, desigual e desumano embate. Cliente da UNIMED há anos, quando completei 59 anos, recebi um mês após, boleto com reajuste substancialmente abusivo. Entrei em contato com a operadora e me foi informado que constituía regra e vigoraria a partir de então, exceto se optasse por abandonar o plano. Tentei contra-argumentar, mas não me deram ouvidos. Indignado, acionei a justiça através de advogado particular, paguei taxa custas processuais, aguardei três anos para receber a sentença, obviamente, pagando as mensalidades absurdas, para não ficar sem atendimento de saúde e de reabilitação. Para minha surpresa, de requerente/solicitante passei a condição de réu, pois, o magistrado, sequer me convocou para ver averiguar a situação em seu aspecto humanitário, ouvir a parte mais vulnerável do processo, permitir me apresentar idoso e cadeirante, consequentemnte, com mais despesas para sobreviver com dignidade. Como bem pontua Roberta Cruz da Silva, no Manual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Ed. Saraiva, 2012, o direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Para complicar mais ainda meu cotidiano, por determinação judicial, tive bloqueados em três contas bancárias valores que me impediram de pagar despesas correntes, embora um dos bloqueios suprisse valor estipulado pela sentença, enquanto os demais ocorreram por limitações do sistema, segundo informaram. Como admitir limitações do sistema, quando a tecnologia digital dispõe de instrumentos para transmissão de dados e imagens, inclusive de outros planetas? Quanto descuidado, inversão de valores, autoritarismo. Será mesmo tão difícil o reconhecimento de que os objetos que constituem processos judiciais envolvem também pessoas de bem e com direitos de se manifestar, além dos advogados que as representem? Afinal, muito precisa ser mudado na conjuntura da sociedade brasileira, em particular, na esfera judicial. Enquanto a mídia nos apresenta diariamente bandos de corruptos livres, de bolsos cheios e abastadas contas bancárias em paraísos fiscais mundo afora, circulando impunes, num cenário de falta de merenda escolar, do sucateamento da saúde, entre outras farras com recursos públicos, a imagem da deusa Têmis mantém-se convenientemente de olhos vendados com uma balança na mão a pender para o lado mais forte. ¤

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