sábado, 14 de março de 2015

 Antônio Fagundes traz a BH 'Tribos', que usa a surdez como metáfora da incomunicabilidade

Ator reitera seu hábito de dialogar com o público após o espetáculo. Carolina Braga Não importa quão cansado esteja, Antônio Fagundes pratica o ritual de dialogar com o público depois de cada sessão de teatro que apresenta. Hoje, deverá ser assim após a estreia de 'Tribos', no Sesc Palladium. No ano que vem, o ator completa 50 anos de carreira. Ele diz que mantém esse hábito há pelo menos três décadas. O motivo é simples: não dá para fazer teatro descartando a relação com a plateia. “A gente não só se preocupa com o público, mas quer ouvir o que as pessoas acharam, entender qual caminho seguir”, afirma. A atenção ao público é peça-chave no modelo de sobrevivência no mercado teatral que Fagundes desenvolveu e que é intrinsecamente crítico às políticas públicas de subsídio à produção cultural. Para ele, as leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal criam ruídos na relação entre palco e plateia. A reação do público, segundo o ator, perdeu importância no esquema das produções. E isso, segundo diz, é inegociável para ele. “Só tive três patrocínios na vida. Tudo o que fiz produzi com recurso próprio e quero ter a resposta da bilheteria. É o público quem deve manter ou não o espetáculo em cartaz. Infelizmente, teatro é uma coisa cara. Talvez o governo pudesse ajudar mais, reformando os teatros”, afirma. Na avaliação dele, 90% das salas privadas e públicas espalhadas pelo país andam sucateadas. O modo de produção teatral, segundo Antônio Fagundes, inclui montagem, longas temporadas e turnês por todo o país. 'Tribos' estreou em São Paulo em setembro de 2013. Ficou 11 meses em cartaz, somando 150 mil espectadores em 130 apresentações. No ano passado, começou a rodar o país. Em nove cidades, cumpriu uma agenda de 30 sessões. E fez uma temporada também em Portugal. Tudo isso sem patrocínio. O tour continua: São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Santos, Paulínia, Jundiaí, Vitória e Porto Alegre são algumas paradas antes da temporada de dois meses no Rio. “Só se monta nesse sistema um espetáculo no qual se acredite até a última palavra. Acreditamos na força desse texto”, afirma. Já é lugar-comum no discurso do ator que um bom texto teatral deve fazer o público pensar por minimanente cinco minutos. 'Tribos' não pretende fugir a essa regra. A montagem, com direção de Ulysses Cruz, é a segunda dobradinha que Antônio Fagundes faz com o filho e também ator Bruno Fagundes. Ao contar a história de um herdeiro deficiente auditivo em uma família desregulada, o texto da inglesa Nina Raine chama a atenção para a surdez do mundo contemporâneo. “Estamos vivendo a famosa era da comunicação e nunca fomos tão cegos, surdos e mudos. Hoje em dia, falamos por meio do computador. A moda agora é o Instagram, que está, inclusive, eliminando a palavra”, critica. A ideia de fazer 'Tribos' partiu do filho. Bruno Fagundes viu a montagem em Nova York e de lá ligou para o pai, contando a experiência. “Quando fizemos Vermelho (2012), fui eu quem o convidou. Agora, fiquei mais feliz ainda. Confirmou que nossa parceria caminha bem. Aceitei com imenso prazer, porque tem tudo a ver com nossa época, nossos questionamentos e aflições, mas contado de uma forma divertida.” Também estão no elenco Arieta Correa, Eliete Cigaarini, Guilherme Magon e Maíra Dvorek. Na lógica do “filho de peixe, peixinho é”, desde que se entende por gente Bruno Fagundes convive com as críticas que o pai faz ao mecanismo de fomento à cultura no país. Sendo assim, Tribos existe dentro do modelo de cooperativa e os dois são os produtores. São cerca de 25 artistas, entre atores, produtores, técnicos, cenógrafos, figurinistas e músicos, que aceitaram trabalhar pelo montante arrecadado na bilheteria. É a única fonte de recursos para toda a equipe. “A Lei Rouanet está em processo de mudança. Não está funcionando. Meu pai não é só um ator. Sempre pensou isso com muita responsabilidade, e agora estou sentindo na pele os prós e os contras”, comenta Bruno. Na opinião do ator, o modo de produção pelo qual optaram é resistente às intermitências políticas. “Para nós, é muito libertador, remonta às formas mais antigas de produção. Olhamos para trás e percebemos que escolhemos a sobrevivência do projeto. Isso nos dá uma boa autonomia”, afirma Bruno. "O máximo que meu pai pode fazer por mim é indicar" “Pai, você está orgulhoso do trabalho que construímos com 'Tribos'?”, pergunta Bruno. Antônio Fagundes ri. “Ele pergunta porque sabe que sim. Está sendo muito bonito. O projeto nos obriga a um mergulho na nossa relação. Era algo que já fazíamos antes, mas agora em mais profundidade”, responde. Pelo que contam, com eles não tem frescura nem luxo. “Todo mundo divide o mesmo camarim”, diz Antônio Fagundes. Bruno decidiu seguir os passos dos pais – a mãe dele é a atriz Mara Carvalho – aos 13 anos. “Antes de fazer 'Vermelho' (2012), já tinha trabalhado com seis peças profissionais. Eram esquemas mais alternativos”, diz. A primeira peça com o pai foi a que lhe deu maior projeção. Ao falar de sua escolha por 'Tribos', Bruno cita Picasso. “A arte nunca deve ser casta”, diz. “Penso assim também. É um ato que alguém faz deliberadamente e provoca uma reflexão inesperada em outras pessoas.” O ator afirma que “a questão com a audição é metafórica. É uma questão de disponibilidade, de entender uma realidade diferente da outra. A estupidez de uma guerra é uma surdez plena de quem não quer ouvir, não está disposto”. É ele quem interpreta Billy, o jovem que nasceu surdo em uma família de ouvintes. Foi criado dentro de um casulo pelo pai, Christopher (Antonio Fagundes), e pela mãe, Beth (Eliete Cigaarini). Convive ainda com os irmãos Daniel (Guilherme Magon) e Ruth (Maíra Dvorek). Quando conhece Sylvia (Arieta Correa), uma jovem mulher prestes a ficar surda, Billy passa a entender realmente o que significa pertencer a algum lugar. Aos 25 anos, Bruno Fagundes diz ter expectativas de ainda atuar muito na televisão, no cinema e também em dublagem. “O máximo que meu pai pode fazer por mim é indicar. O resto tem que partir de mim. Tenho fome de trabalho e vou atrás do meu destino. Acabei de estrear em novelas ('Meu pedacinho de chão') e não tenho garantia de fazer uma próxima.” Acessibilidade Um dos aprendizados de Antônio Fagundes com Tribos foi a importância da acessibiliade. Como o texto trata de uma deficiência auditiva, as sessões são traduzidas em Libras. “Percebemos que há muito tempo a gente vem fazendo teatro sem ter pensado nisso. A partir dessas modificações que os encontros causaram em nós definimos que vamos fazer assim em qualquer espetáculo. A relação com essa parte da plateia tem emocionado muito”, diz o ator. TRIBOS Sexta, às 21h30, e sábado, às 21h, com tradução em Libras. Grande Teatro Sesc Palladium – Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3214-5350. Plateia I: R (inteira) e R$ 35 (meia); plateia II: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia); últimas fileiras: plateia II e plateia III: R$ 50 (inteira) e R$ 25. Informações pela internet. fonte:Divirta-se

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