quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O homem que construiu um parque inclusivo de R$ 100 milhões para sua filha com deficiência

Vera Garcia
Gordon Hartman, do Texas (EUA), passava as férias com a família quando notou que sua filha Morgan, então com 12 anos, foi conversar com algumas crianças

na piscina do hotel. Ela tentou fazer amizade, mas as crianças rapidamente saíram da água.

Pareceu a Hartman que aqueles meninos e meninas simplesmente não sabiam como reagir à presença de uma pessoa com deficiência – Morgan tinha o desenvolvimento

cognitivo semelhante ao de uma criança de 5 anos e também uma forma de autismo.

O episódio marcou o pai.

“Morgan é uma menina adorável. Quando conhece alguém, sempre sorri e oferece um abraço. Mas houve tantas ocasiões em que não pudemos levá-la aos lugares”,

explica.

Início do grupo Morgan superou seu medo de brincar em algumas atrações (JERSTAD / GORDON HARTMAN FAMILY FOUNDATION)
Morgan superou seu medo de brincar em algumas atrações (JERSTAD / GORDON HARTMAN FAMILY FOUNDATION)
Fim do grupo

Com sua mulher, Maggie, ele pediu a outros pais dicas de passeios para fazer com Morgan – locais onde ela pudesse se sentir confortável e onde os demais

ficassem à vontade para interagir com ela.

“Percebemos que não havia um local tão inclusivo (quanto queríamos)”, diz o pai.

Por isso, em 2007, Hartman decidiu construir ele mesmo um parque temático.

Vendeu sua empresa especializada em construção civil e com o dinheiro criou a Fundação Familiar Gordon Hartman, ONG voltada a pessoas com deficiências.

O objetivo maior era criar “o primeiro parque temático ultra-acessível do mundo”.

“Queríamos um parque onde todos pudessem fazer tudo; onde pessoas com e sem necessidades especiais pudessem brincar.”

Com a consultoria de médicos, terapeutas, pais e pessoas com e sem deficiência, ele comandou a construção no local onde funcionava uma antiga pedreira,

em San Antonio, Texas.

Início do grupo Cadeiras de rodas são acopladas aos assentos do carrossel adaptado (JERSTAD / GORDON HARTMAN FAMILY FOUNDATION)
Cadeiras de rodas são acopladas aos assentos do carrossel adaptado (JERSTAD / GORDON HARTMAN FAMILY FOUNDATION)
Fim do grupo

Batizado de Morgan’s Wonderland (O país das maravilhas de Morgan, em tradução livre), o parque custou US$ 34 milhões (na cotação atual, o equivalente a

R$ 106 milhões) e abriu as portas em 2010. Entre as atrações estão uma roda gigante acessível, um playground “de aventuras” e um minitrem. Segundo Hartman,

muitos dos visitantes dizem que é a primeira vez que conseguem ir a brinquedos do tipo.

O carrossel do parque tem carruagens especialmente projetadas para acoplar cadeiras de rodas, que sobem e descem junto com os assentos ilustrados com animais.


O curioso é que, a princípio, a própria Morgan não gostou muito da atração.

“Ela estava com muito medo de ir no carrossel. Ela não entendia por que (o brinquedo) girava e por que os animais subiam e desciam”, explica o pai.

Morgan só teve coragem de entrar no carrossel três anos depois.

“No começo, ela ficava ao lado; depois, ela subia em algum animal, mas sem que ligássemos (o motor). Foi um processo lento, mas hoje ela adora (o brinquedo).

Superar algo de que ela tinha medo significou muito. Pequenas conquistas durante brincadeiras fazem uma grande diferença.”

Desde a inauguração, o parque recebeu 1 milhão de visitantes de 67 países. A entrada é gratuita para pessoas com deficiência, e um terço dos funcionários

do local tem algum tipo de necessidade especial.

“Percebi como Morgan tem sorte, por ter tantas coisas. Não queria que o dinheiro fosse uma barreira para outras pessoas (com deficiência)”, explica Hartman.


“Abrimos as portas todos os anos sabendo que vamos ter prejuízo de mais de US$ 1 milhão e que precisamos recuperar esse dinheiro com campanhas de arrecadação

e com parceiros.”

Início do grupo Há entre os visitantes pessoas com e sem deficiência (JERSTAD / GORDON HARTMAN FAMILY FOUNDATION)
Há entre os visitantes pessoas com e sem deficiência (JERSTAD / GORDON HARTMAN FAMILY FOUNDATION)
Fim do grupo

Neste ano, o parque foi expandido com a ala Morgan’s Inspiration Island (“ilha de inspiração de Morgan”), um parque aquático acessível que custou US$ 17

milhões (R$ 53 milhões).

“Havia poucos visitantes em julho (verão no hemisfério Norte) porque as cadeiras de roda causam muito calor. Então decidimos abrir um parque aquático”,

diz Hartman.

Partes da “ilha” têm água morna, que favorece os visitantes com problemas musculares. Há também cadeiras de rodas motorizadas e à prova d’água, além de

um passeio de barco acessível.

Início do grupo Parque aquático atrai visitantes em julho, verão no hemisfério Norte
Parque aquático atrai visitantes em julho, verão no hemisfério Norte
Fim do grupo

Hartman conta que foi abordado recentemente por um homem dentro do parque aquático.

“Ele segurou a minha mão, apontou para seu filho, com agudas necessidades especiais, e começou a chorar. Disse que o filho nunca tinha conseguido brincar

com água antes.”

Considerando que três entre quatro visitantes do parque não têm deficiências, Hartman diz ter conquistado seu objetivo: “Ajudar as pessoas a perceber que,

apesar de sermos diferentes em algumas maneiras, na verdade somos todos iguais. Vi uma garota em cadeira de todas com outra sem necessidades especais,

e elas brincavam juntas. Foi muito legal.”

Início do grupo Atrações do parque aquático também foram adaptadas
Atrações do parque aquático também foram adaptadas
Fim do grupo

Hartman recebe pedidos para a construção de mais parques semelhantes, mas não tem planos de fazê-lo. Seu foco agora é prover instalações educativas adaptadas

para adolescentes com deficiência em San Antonio.

“Sei que há diferentes organizações atualmente tentando construir algo parecido ao Morgan’s Wonderland em outros lugares e continuaremos a trabalhar com

eles.”

E Morgan continua a frequentar o parque, onde se tornou uma espécie de celebridade.

“Todos querem falar com ela, tirar fotos, e ela se sai muito bem”, diz o pai.

Início do grupo A água morna de partes do parque aquático é benéfica para quem tem problemas musculares
A água morna de partes do parque aquático é benéfica para quem tem problemas musculares
Fim do grupo

Aos 23 anos, Morgan continua comemorando pequenas vitórias cotidianas.

“Ela fala mais e a maioria de suas deficiências físicas foram corrigidas por numerosas cirurgias. Estamos muito orgulhosos de o quanto ela avançou”, agrega

Hartman.

“Ela sabe que o parque temático foi batizado em sua homenagem, mas não acho que ela entende a magnitude disso e como isso transformou vidas. Não percebe

como a forma como ela lidou com as coisas da vida a tornaram uma inspiração.”

Fonte:
BBC
Vera Garcia

Pedagoga e blogueira. Criadora dos blogs Deficiente Ciente, Raridade e Criança Especial.

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