quarta-feira, 22 de junho de 2016
Design para Acessibilidade: inclusão de cegos ao cinema
DESIGN PARA ACESSIBILIDADE: INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL AO SERVIÇO DE CINEMA
Na dissertação Design para Acessibilidade: inclusão de pessoas com deficiência visual ao serviço de cinema, apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(FAU) da USP, Diego Normandia procurou explorar dificuldades, facilidades e possíveis soluções para tornar acessível a experiência de cinema a quem não
enxerga, com o foco no acesso físico e sensorial, pelo viés do design.
A dissertação apresenta uma pesquisa não propositiva sobre acessibilidade dos deficientes visuais em salas de cinema, considerando toda a complexidade
que envolve essa experiência, desde, por exemplo, a produção de filmes até a experiência propriamente dita nos espaços de projeção. A metodologia envolveu
uma pesquisa com abordagem qualitativa e enfoque exploratório e descritivo, auxiliada por conhecimentos em design, além de uma elaborada revisão bibliográfica
e da legislação brasileira sobre o assunto.
Design para Acessibilidade: Wikemedia Commons
Se para o cineasta Orson Welles o cinema não tinha “fronteiras nem limites”, para boa parte do público, formado por deficientes visuais, seu lugar nas
salas ainda é um território que precisa ser conquistado, e o design para acessibilidade pode contribuir para isso.
De acordo com o censo demográfico apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, cerca de 45 milhões de pessoas com alguma
deficiência estão vivendo no Brasil, dentre as quais 35 milhões são deficientes visuais.
Com formação publicitária, Normandia se interessou pelo design para acessibilidade quando trabalhava em uma campanha para inclusão de pessoas com deficiência.
O então estudante passou, pela primeira vez, a se questionar sobre o acesso a essa experiência – o cinema – por pessoas com deficiência visual. A escolha
do design como campo de estudo foi motivada por sua visão específica da área. "Na minha percepção, a publicidade orienta sua atuação no sentido do produto
ao ser humano, pois busca, a partir de suas ferramentas, estimular a compra de artefatos por parte dos consumidores”. Já o design, explica, caminha no
sentido oposto, com foco no “desenvolvimento de produtos e serviços orientados à necessidade dos indivíduos".
Sessão com audiodescrição
Sessão com audiodescrição
Design para Acessibilidade: Metodologia inovadora
Partindo de perguntas como “quais dificuldades um cego enfrenta no processo que envolve a experiência de assistir um filme no cinema?”, “o que diz a legislação
brasileira sobre a inclusão de deficientes visuais a conteúdos culturais?” até uma investigação detalhada sobre como as ferramentas assistivas, utilizadas
por usuários cegos, podem contribuir no acesso a salas de cinema, a pesquisa Design para Acessibilidade: inclusão de pessoas com deficiência visual ao
serviço de cinema verteu na elaboração de uma proposta para o serviço de cinema atual que inclui a acessibilidade em diversas etapas como divulgação, experiência
e distribuição.
Esquema de instalação do Whatscine
Esquema de instalação e utilização da ferramenta Whatscine
Dentre as ferramentas apresentadas no trabalho estão desde as mais conhecidas, entre elas, a tecnologia de audiodescrição (exemplificada nos aplicativos
Whatscine e MovieReading), que consiste na descrição objetiva de todas as informações que compreendemos visualmente e que não estão contidas nos diálogos,
tais como expressões faciais e corporais que comuniquem algo, informações sobre o ambiente, figurinos, efeitos especiais, mudanças de tempo e espaço, até
leitores de livros, o uso de cães-guia, e aparelhos como o Blitab, que exibem conteúdo em braile.
A partir daí, a pesquisa envolveu a elaboração de um mapa de stakeholders, uma espécie de representação visual do conjunto de indivíduos que se relacionam,
de alguma forma, a um processo, fenômeno, ou evento pesquisado e seguiu-se com a criação de metodologias particulares como a criação de personas e a indução
de relatos.
"A indução é “um procedimento de coleta de informações baseado na técnica tradicionalmente conhecida como storytelling, que, por sua vez, é um modelo para
compartilhamento de insights, a partir da construção de narrativas", explica Normandia, acrescentando que um de seus objetivos é revelar facetas de utilização
de artefatos ou de experiências não imaginadas por quem as projetou.
"Grande parte das ferramentas de design que encontrei tem forte dependência de estímulos visuais, o que impossibilita a interação de pessoas com severa
deficiência".
Após essas etapas, foram criados mapas de expectativas de usuários na utilização de determinado serviço que foram contrastados com entrevistas com especialistas,
incluindo dois audiodescritores, dois cineastas, dois exibidores de filmes em cinema e dois distribuidores de filmes.
Para o especialista, há a necessidade de novas ferramentas e procedimentos para desenvolvimento de produtos e serviços orientados a pessoas com deficiência
sensorial, sobretudo cegos ou pessoas com múltiplas deficiências. Os designers seriam, assim, parte dos profissionais capazes de solucionar tais demandas.
"Designers se especializam, durante sua formação, em resolver problemas tomando como perspectivas diversos olhares diferentes, como aspectos sociais, humanos,
tecnológicos, prazos, modelos", enumera, ao destacar a versatilidade do campo.
Engajamento
Catálogo de filmes do MovieReading
Catálogo de filmes oferecidos com recurso de audiodescrição pelo site do aplicativo MovieReading.
Filho de um pai que sofre com uma deficiência motora há 31 anos, o pesquisador lembra-se de que foi pelo audiovisual, ao assistir uma trama televisiva
que envolvia um personagem deficiente, que verdadeiramente se deu conta das dificuldades enfrentadas pelo pai e por tantos outros. "Eram “situações que
vivenciei com meu pai e nunca tinha entendido direito, como quando ele deixava de ir a determinados lugares pois não conseguia passar pela porta ou pelo
corredor", conta ele. "Essas coisas nunca haviam me chamado a atenção, nem parecia provocar algum tipo de indignação do meu pai com a situação, como se
fosse normal todo o modelo excludente pelo que nossa sociedade se orienta", revela.
Na conclusão da pesquisa Design para Acessibilidade: inclusão de pessoas com deficiência visual ao serviço de cinema, Normandia defende que para se atingir
resultados eficientes seria preciso considerar o conjunto de fatores que envolvem o processo de ir a uma sala de cinema, que passa pela adaptação de filmes
a uma linguagem acessível, mas também pelo treinamento de profissionais prontos a atender às diferentes necessidades das pessoas com deficiência, pela
garantia de mobilidade e transporte urbano confortável e seguro para o deslocamento desse público, pela sensibilização dos agentes que financiam, produzem,
distribuem e exibem os filmes e, em especial, pela aplicação e fiscalização de leis e normas de inclusão.
Ao final, o pesquisador afirma ter sua visão sobre acessibilidade transformada pelo estudo. "Hoje, não consigo ficar calado diante de situações de desrespeito
aos direitos dos cidadãos, de imposição do capital frente ao benefício social", aponta.
A dissertação de mestrado foi orientada pela professora Cibele Haddad Taralli, do Departamento de Projetos da FAU.
Fonte: Jornal da USP
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