quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Triciclo criado por engenheiro brasiliense permite que paraplégicos pedalem

O veículo usa a eletroestimulação para que o paciente consiga mover as pernas. O exercício reduz problemas relacionados à paralisia e aumenta a qualidade

de vida

Uma das áreas que mais vêm se beneficiando com os avanços da tecnologia é a saúde. Vacinas, exames detalhados e próteses 3D são alguns dos inúmeros resultados

conquistados pelas inovações nessa área. Entretanto, esses recursos não existiriam sem pessoas dedicadas a transformar essas pequenas revoluções em auxílio

ao próximo. Antonio Lanari Bo é uma dessas pessoas. O cientista brasiliense utilizou seus conhecimentos em engenharia para desenvolver um triciclo voltado

para a reabilitação de pacientes com traumas motores nos membros inferiores. O projeto, que utiliza a eletroestimulação como base de funcionamento, tem

como objetivo levar ganhos físicos e melhoria da autoestima para pessoas paraplégicas.

A ideia do professor de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB) surgiu com base na própria experiência de vida, da época em que foi competidor

de triatlo de longa distância. “Esse foi, sem sombra de dúvidas, um fator que me aproximou do projeto. O fato de estar próximo do esporte me inspirou profundamente,

foi o pontapé inicial da pesquisa”, declarou ao Correio Lanari, que também é membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), fundado

nos Estados Unidos.

O pesquisador uniu sua afinidade com o esporte às suas pesquisas em desenvolvimento de sistemas de eletroestimulação e decidiu construir um triciclo que

pudesse ser utilizado por pessoas com paraplegia. “Isso aconteceu em 2014, quando, por coincidência, foi divulgada uma competição internacional para pessoas

com deficiência que podem usar tecnologia assistiva biônica, chamado Cybathlon (veja Para saber mais). A partir disso, realizamos nosso protótipo”, detalhou

Lanari, que conta com ajuda de um grupo de engenheiros e fisioterapeutas no projeto.

O brasiliense explicou que o princípio básico do triciclo, batizado de EMA Trike (Empowering Mobility and Autonomy, em inglês), é a eletricidade. Segundo

ele, uma pequena corrente elétrica passa próxima ao nervo dos músculos da perna, o que faz com que o membro recupere o movimento perdido. “É uma quantidade

baixa de energia, aplicada por meio de eletrodos que são autocolantes. Essa é uma vantagem importante, pois eles não precisam ser implantados, como ocorre

em projetos semelhantes”, detalhou o cientista.

Lanari destacou que diferentemente da fisioterapia padrão, o triciclo exige mais precisão para ser usado, porém gera ganhos maiores. “Temos vários aspectos

interessantes, o reestabelecimento da massa muscular, ou seja, o aumento do músculo, e a melhoria da pele. O paciente paraplégico pode sofrer com as chamadas

escaras, que são feridas geradas quando a perna não se movimenta”, ressaltou.

Criador do EMA Trike, Antonio Lanari iniciou o projeto em 2014
(foto: Marília Lima/Esp.CB/D.A. Press)

Advogado e paratleta, Estevão Lopes, 40 anos, é um dos membros do projeto EMA Trike. Primeiro piloto do aparelho, ele ficou surpreso quando sentiu o efeito

gerado pelo triciclo durante os treinos realizados. “No começo, eu não acreditei que o triciclo poderia proporcionar resultados, pois existiam muitos projetos

com a mesma proposta. Eu não coloquei muita fé. Para minha grata surpresa, as coisas foram acontecendo de uma maneira espetacular”, relatou.

Lopes, que perdeu o movimento das pernas após ser vítima de uma bala perdida, ressaltou que sentiu uma grande diferença após algumas semanas de treinamento

com o EMA Trike. “Melhorou muito a minha vida. O ganho muscular, por exemplo, foi um dos efeitos que mais senti. Tive um aumento de quase 15 centímetros

na coxa, além da qualidade da pele, na qual vi ganhos. Antes, eu não mexia nem um dedo, jamais imaginaria que conseguiria pedalar”, completou o atleta,

também é praticante de vela adaptada, canoagem e halterofilismo.

Parceria

O triciclo ainda vai passar por aprimoramentos. Lanari adiantou ainda que pretende aplicar a tecnologia desenvolvida em outros veículos. “Queremos usar

o sistema em um barco e trabalhar com o remo, mas de uma forma que o paciente possa locomover os braços e os pés”, informou. O cientista, porém, disse

acreditar que esses avanços só poderão ser conquistados com a ajuda dos pacientes. “Precisamos escutar diretamente o que a pessoa quer e também o que os

profissionais de saúde têm a dizer. Só dessa maneira, em um trabalho em conjunto, podemos estabelecer um projeto que renda resultados positivos”, frisou.


Para Edmo Oliveira, Ortopedista e Traumatologista do Instituto Castro e Santos (ICS), em Brasília, o triciclo é uma opção extremamente positiva para pacientes

que sofrem com paralisia. “O projeto é notável. Infelizmente, a comunidade científica ainda não descobriu como trazer a funcionalidade total dos membros

inferiores para pessoas com paraplegia, principalmente, para os casos decorrentes de lesões medulares. Sendo assim, todas as terapias que evidenciem qualquer

avanço nessa área são de fundamental importância, destacando-se a eletroestimulação”, avaliou.

Na opinião do especialista, aliar o projeto ao esporte merece ainda mais destaque, pois ajuda a deixar a atividade mais atraente aos pacientes, uma vez

que o incentivo de atividades fisioterápicas é um ponto de grande relevância para quem sofre com problemas de locomoção. “Associar essa terapia à prática

de uma atividade física prazerosa e autônoma é o que torna esse projeto mais interessante”, opinou, acrescentando: “O uso da tecnologia tem tido grande

importância em todas as terapias de reabilitação, porque tem melhorado consideravelmente os resultados, refletindo num grande avanço da atualidade”.
Competições

O EMA Trike rendeu resultados extremamente positivos em sua estreia em competições. A equipe de Estevão e Lanari conseguiu chegar às oitavas de final do

Cybathlon, realizado em 2016, apenas com poucos meses de implementação do sistema. “A competição foi ótima, uma mistura de tensão com uma sensação de superação.

Chegamos lá e encontramos universidades e empresas com muito mais experiência na área, e ainda assim conseguimos essa conquista”, assinalou o professor

da UnB.

A equipe se prepara para participar da próxima edição do evento, que será realizada em 2020. O triciclo também participou de outros eventos, como a campus

party, feira de tecnologia que acontece em diversas cidades do globo, e nas últimas paraolimpíadas, realizadas no Rio de Janeiro.

Apesar do uso em competições, a equipe destaca que o EMA Trike não é um projeto voltado apenas para atletas. E que também pode ajudar pessoas que sofrem

com outros problemas de saúde. “Além do Estevão, já trabalhamos com outras pessoas que sofreram lesões medulares. Mas esse tipo de tecnologia pode trazer

benefícios para quem tem outros problemas de saúde que acarretam em danos motores, como paralisia cerebral e casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC)”,

explicou o criador do triciclo.

Lanari ressaltou que o uso da tecnologia para tratamentos de pacientes paraplégicos é um tema que tem sido explorado internacionalmente. “Outros países

têm voltado os seus olhos para a tecnologia dentro da área de fisioterapia, como um auxílio mais eficaz para os pacientes. Eles sabem que esse tipo de

ajuda empodera. Muitas pessoas que conhecem o projeto nos dizem que, em vez de uma cadeira de rodas, o paciente deveria receber um sistema como o nosso

durante o tratamento”, ressaltou o cientista.

Estevão Lopes contou que uma das suas motivações para investir no projeto foi ajudar a outras pessoas a terem os mesmos ganhos sentidos por ele com o uso

da tecnologia. “Eu sou um atleta de alto rendimento, mas o mais importante desse triciclo é que ele é direcionado para pessoas normais, para uma dona de

casa ou um pedreiro que sofreu um acidente. Nós criamos uma família com esse projeto e nosso objetivo é ajudar o máximo de pessoas que pudermos. Eu me

dedico para o seu aprimoramento com essa esperança”, frisou.

Para saber mais

Técnica ampla

A neuroestimulação consiste no uso da eletricidade para tratar pacientes que não conseguiram resultados com outros tratamentos. Além de pessoas com problemas

motores, onde a energia é aplicada na espinha, a técnica é usado em pacientes com problemas neurológicos como a depressão severa, o transtorno bipolar,

a epilepsia e também alucinações auditivas, um dos sintomas da esquizofrenia. Nesses casos, a eletricidade é aplicada por meio de eletrodos na cabeça.

A terapia tem sido testada ainda em pacientes com Alzheimer, problema de saúde, progressivo e incurável, que afeta a memória e outras funções mentais importantes.


Cybathlon

O primeiro evento ocorreu em 8 de outubro de 2016, em Zurique, na Suíça. A competição, também chamada de olimpíadas biônicas, é o único evento em que esportistas

com deficiência física podem usar próteses biônicas e outros recursos tecnológicos — a utilização desses aparelhos é proibida nos jogos paralímpicos. Em

uma das modalidades, chamada de corrida de interface cérebro-máquina, os atletas disputam uma corrida virtual, em que seus personagens são controlados

pelo poder da mente. Já na corrida de cadeira de rodas motorizada, os participantes usam veículos inteligentes para ultrapassar obstáculos inspirados na

vida real. A próxima edição da Cybathlon está prevista para ocorrer em 2020, também na cidade suíça.

“O EMA trike apresenta grande impacto e relevância para os pacientes em processo de reabilitação e para a fisioterapia como um todo, pois é caracterizado

pela equilibrada interação entre homem e máquina. Em todas as vertentes da reabilitação é de suma importância que essa interação se faça cada vez mais

presente, pois beneficia tanto os profissionais quanto os pacientes. É a utilização da bioengenharia em favor da reabilitação e da qualidade de vida do

indivíduo”

Rafael Siqueira, Coordenador do Serviço de Fisioterapia do Hospital Brasília

Fonte:
https://www.correiobraziliense.com.br

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