segunda-feira, 19 de junho de 2017

Empresas tem vazias 51,6% das vagas para deficientes

Yuri Silva
Daniel Sampaio estuda direito e luta por emprego - Foto: Luciano da Mata | Ag. A TARDE
A luta da enfermeira Sandra Machado, 28, por uma vaga no mercado de trabalho foi curta, em comparação com outras histórias de pessoas com deficiência.

Logo após a conclusão do curso superior, no final de 2016, ela, que tem a audição comprometida nos dois ouvidos, foi contratada pelo hospital Santo Antônio,

das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid).

Há seis meses atuando na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), Sandra é protagonista de uma história considerada de sucesso em meio ao preconceito que

resiste contra pessoas com deficiência, mesmo 26 anos após uma lei federal criar cotas para esse público no mercado de trabalho.

Entre uma conferida e outra nos prontuários de pacientes, ela comemora a colocação profissional. “Estou muito feliz. É gratificante lutar e conseguir a

realização profissional, pois isso mostra que somos capazes”, afirma a enfermeira, a exceção que confirma a regra.

A regra, nesse caso, é a história do estudante de direito Daniel Sampaio, 32, sem emprego desde 2014 por causa da limitação física que o faz dependente

de uma cadeira de rodas. Atingido por uma poliomielite aos quatro anos, que foi limitando os movimentos aos poucos, o futuro advogado conta que, por causa

da deficiência, é sempre rejeitado em entrevistas de emprego.

9.752

vagas destinadas por determinação da lei às pessoas com deficiência estão desocupadas no estado, segundo dados divulgados por órgão do Ministério do Trabalho


Números da exclusão

Segundo ele, o argumento usado, até mesmo por grandes corporações, é que elas não possuem estrutura física para receber um funcionário cadeirante. “Em

vez de nós sermos deficientes, são eles que são deficientes”, ironiza o estudante de direito, o exemplo da regra apontada pelas estatísticas.

Apesar da busca incessante de Daniel por emprego, dados do Ministério do Trabalho, revelados com exclusividade à reportagem de A TARDE pela Superintendência

Regional do Trabalho na Bahia (SRT-BA), mostram que 51,6% das vagas obrigatoriamente reservadas a pessoas com deficiência estão desocupadas no estado.


São, segundo o órgão, 489.533 pessoas empregadas e 19.271 vagas obrigatoriamente reservadas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho baiano.

Entretanto, apenas 9.519 deficientes estão contratados. Com isso, os postos vazios somam 9.752 – daí a desocupação de 51,6%.

Os números são de março de 2017 e foram levantados pelo órgão com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), preenchida pelas empresas, e no

Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), atualizado a cada demissão ou contratação.

De acordo com as estatísticas, as pessoas com deficiência representam somente 2% do universo de empregados no estado. “Falam muito em inclusão, mas eu

só vejo exclusão”, observa Daniel Sampaio.

Hoje, ele tenta se equilibrar em focos de esperança. Recebe o benefício de prestação continuada (BPC), salário mínimo pago pelo governo federal a idosos

e pessoas com deficiência, e fará uma seleção para vaga de motorista na prefeitura. “É uma tentativa de manter a esperança”, diz o próprio, na porta de

casa, ao se despedir da equipe de reportagem.

Sandra conseguiu entrar no mercado logo após formar (Foto: Luciano da Matta | Ag. A TARDE)

"

É gratificante lutar e conseguir a realização profissional

Sandra Machado, enfermeira

Fiscalização das cotas

Coordenadora do programa da SRT-BA de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, a auditora-fiscal do trabalho Lorena Muller explica que

as empresas são obrigadas, desde 1991, a reservarem vagas para esse público.

A obrigação, expressa no artigo 93 da Lei 8.213, que trata sobre a Previdência Social, traz uma série de regras, que, afirma Lorena, continuam sendo descumpridas.

Conforme a legislação, a reserva deve ser de 2% em empresas que têm entre 100 e 200 funcionários, 3% (entre 201 e 500), 4% (501 a 1.000) ou 5% para empresas

com mais de mil funcionários.

“As empresas dizem que essas pessoas não são capacitadas, que é difícil incluir elas na cultura da empresa, que não possuem estrutura para acessibilidade,

uma série de desculpas que não resolvem o problema”, conta a auditora-fiscal, que fiscaliza, na Bahia, a lei de cotas para esse público.

Lorena Muller afirma que, nos últimos cinco anos, 1.045 autos de infração foram lavrados no estado, o que resultou, diz ela, em 6.121 inserções no mercado.


A auditora-fiscal explica que a Lei 10.097, conhecida como lei da aprendizagem, serviu para ajudar na capacitação de pessoas com deficiência. “É a oportunidade

que as empresas têm de capacitarem essas pessoas e as efetivar, porque, depois da aprendizagem, a empresa vai ter uma pessoa capacitada”, defende.

"

Em vez de nós sermos deficientes, as empresas que são deficientes
Daniel Sampaio, aluno de direito

Tentativa de inclusão

Há um ano, as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) encontraram na aprendizagem a oportunidade de resolver a falta de pessoas com deficiência na área de saúde:

deram início à capacitação de deficientes físicos em um programa interno, o Dulce Aprendiz. Na turma atual, composta por 60 pessoas, três são deficientes

físicos.

Com 4.460 funcionários, a entidade filantrópica deveria ter 223 profissionais com alguma limitação física contratados para cumprir a reserva de vagas.

Porém, apenas 99 postos estão ocupados, segundo o coordenador de recursos humanos das Osid, Raimundo Araújo.

“A ideia do Dulce Aprendiz é tentar resolver esse problema deixando eles aptos para o mercado”, explica Araújo. “Mas tem muita concorrência, porque todo

mundo está querendo cumprir a lei”, diz. Ele explica que hoje as Osid estão selecionando 120 profissionais com deficiência para funções como fisioterapeuta,

enfermeiro, bioquímico, técnico de enfermagem e técnico de laboratório.

Araújo reclama da rigidez da lei. Algumas deficiências, segundo ele, não são aceitas para ocupar a cota prevista em lei. “Tem gente que possui deficiência

mas não se enquadra na legislação, porque é preciso ter um nível de deficiência que comprometa o sentido. Deficientes auditivos, por exemplo, têm que ser

bilateral”, detalha.

A presidente da Associação Baiana dos Deficientes Físicos (Abadef), Luiza Câmara, defende a importância da inclusão dessas pessoas no mercado. Ela critica

o setor empresarial pela desobediência à lei.

“Não existe cidadania pela metade, é preciso respeitar o direito das pessoas. Esse desrespeito destrói esperanças”, afirma a ativista.

A TARDE entrou em contato com a Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e com a Federação do Comércio do Estado (Fecomércio), as duas principais representações

empresariais locais, mas as entidades não se posicionaram sobre o tema até o fechamento desta edição.

fonte a tarde

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