quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Um terço dos paulistanos não percebe pessoas com deficiência

Segundo estudo da Rede Nossa São Paulo, grupo relata problemas de acessibilidade nos transportes públicos, ruas e calçadas da cidade
Muitos paulistanos costumam, por hábito, consultar a internet para chegar a um determinado destino na cidade. A estudante de design Natalia de Oliveira

Hipolito, de 21 anos, é obrigada a pesquisar o trajeto na internet, pelo menos, duas vezes antes de sair. A primeira para conhecer o caminho previamente.

A segunda para verificar se o local que pretende chegar tem buracos e problemas nas calçadas. “Esse é o principal motivo que me impede de chegar aos lugares

sozinhas.”

Quando se arrisca pelos trajetos não são poucos os obstáculos que enfrenta. “Às vezes tenho que ir pelo meio da rua ou esperar até que alguém me ajude.”

Isso porque Natalia é cadeirante e, segundo uma pesquisa divulgada nesta terça-feira, 4/12, pela Rede Nossa São Paulo, não é notada por um terço dos paulistanos

em espaços públicos.

O estudo aponta que pessoas com deficiência (PCDs) não são percebidas por uma parte da população da cidade especialmente em espaços como o transporte público.

Essa parcela, segundo o levantamento, é percebida pelos paulistanos majoritariamente em espaços de saúde, como postos e hospitais.

A pesquisa mostra também que a maior dificuldade relatada por PCDs no que diz respeito à acessibilidade em São Paulo são os buracos e problemas, como a

falta de guias de acesso, em calçadas. Na pesquisa, 57% dos entrevistados afirma que considera ruim ou péssima a acessibilidade em ruas e calçadas. Segundo

o estudo, meios de transporte como trens e metrô são descritos como mais acessíveis.

Rotina de obstáculos

Natalia quase não tem horários livres durante o dia. Acorda cedo para trabalhar em Santo Amaro e no Paraíso, do estágio segue para casa, na zona norte,

e de lá vai para a faculdade. Hoje, a estudante utiliza vans adequadas para PCDs da Prefeitura e do Governo do Estado. Mas quando não consegue utilizar

os veículos apropriados o trajeto é repleto de intercorrências.

Há duas semanas, ela não conseguiu fazer o caminho que faria normalmente pela estação Tucuruvi do metrô. “Na hora em que fui descer, o elevador estava

quebrado. Um funcionário me aconselhou a retornar três estações para ficar próxima do elevador estava funcionando”, diz. O problema é que, como a grande

maioria dos paulistanos, Natália também tem horários para cumprir. “Nesse dia, tinha de estar em casa às 18h30 para ir à faculdade. Cheguei somente às

19h, minha sorte foi que mandei mensagem para o transporte me esperar e deu certo”, relata.

De acordo com a pesquisa da Rede Nossa São Paulo, 15% da população paulistana tem algum tipo, convive no dia a dia ou tem relação com PCDs. Já os demais

84% não possui ou não convive com essa parcela. “Foi possível perceber que o preconceito em relação às pessoas com deficiência vem, em grande parte, de

quem não tem convívio com o grupo. Quem vive de forma mais próxima tem o olhar humanizado”, afirmou Américo Sampaio, gestor de projetos do Nossa São Paulo.


O estudo, segundo Sampaio, joga luz sobre a invisibilidade desse grupo e sobre a precarização do acesso a determinados espaços. “O transporte público é

o local onde existe mais contato”, diz ele. Ao mesmo tempo, a pesquisa revela que 33% dos paulistanos tem contato com pessoas com deficiência apenas em

espaços de saúde. “Em espaços positivos, elas não são vistas”, afirma Sampaio.

Natalia nasceu com distrofia muscular e sempre precisou utilizar uma cadeira de rodas para se locomover. Com a experiência de quem transita pelas ruas

da cidade diariamente, ela afirma que em horários considerados de pico os trajetos quase impossíveis de serem realizados. “Nesses momentos, existe zero

percepção em relação a nós. Em outros horários ou finais de semana as pessoas oferecem ajuda e perguntam.”

Calçadas e transportes

A estudante coleciona histórias de dificuldades de acesso em ônibus e calçadas, principais itens relatados na pesquisa da instituição. “O que mais acontece

é ficar presa no elevador dos ônibus, outras vezes, eles estão quebrados ou ainda os funcionários não tem a chave para fazê-los funcionar ou não sabem

como operar”, diz ela. “Também acontece de a cadeirante não ficar bem presa ao ônibus.”

Quando o elevador do transporte está quebrado todo o planejamento de quem precisa se delocar pela cidade é prejudicado. “Várias vezes dou sinal para a

van e o elevador não funciona. Preciso esperar o próximo.”

Ainda são poucos os espaços do município que Natália pode frequentar e com tranquilidade. “Só consigo andar sozinha na avenida Paulista, mas quando vou

para alguma rua adjacente já não consigo andar. Isso porque minha cadeira é motorizada”, diz. “Na rua embaixo da minha, as calçadas tem buracos e não possuem

guias de acesso. Acabo dando um jeito.”

O grande problema é que “dar um jeito”, muitas vezes, significa sair das calçadas e andar com a cadeira de rodas na rua, ficando exposta a situações de

insegurança. “Quando os trajetos são muito longos, prefiro sempre ir com alguém para me sentir mais segura.”

Acesso dificultado

O estudo da Rede Nossa São Paulo apresenta propostas para melhorar a acessibilidade na cidade. Entre elas, adaptar calçadas, ruas, semáforos, pontos de

ônibus, destinar veículos e vagões adapatados, ampliar o atendimento na rede pública especializada e aumentar a inclusão em espaços culturais e de lazer.


Natália costuma frequentar com certa facilidade parques e shoppings com rampas de acesso. Porém, afirma que, como pessoa com deficiência, ainda se surpreende

ao ver mais de duas pessoas nessa mesma condição em espaços de lazer. “Em bares e baladas é muito difícil ver pessoas com deficência, se não houver muita

força de vontade, a pessoa fica em casa.”

No caso dela, essa não era uma opção. “Sou apenas uma pessoa com deficiência e não uma deficiência em pessoa”, diz. “Nunca deixei de fazer o que tive vontade.”


Ainda mais invisíveis

Pessoas com deficiências intelectuais também enfrentam dificuldades de acesso a espaços públicos na cidade. “Existem barreiras urbanísticas, de comunicação,

transportes e tecnológicas”, afirma Anna Beatriz Leite, assessora de advocacy da APAE de São Paulo.

Segundo ela, essa parcela da população está ainda mais sujeitas a invisibilidade social. “É difícil perceber a deficiência intelectual quando ela não está

associada a alguma outra deficiência física. Isso porque ela não está atrelada um estereótipo”, explica. “Ainda é comum que esse grupo ainda sofra muito

preconceito, por exemplo, na hora de pedir informação no transporte público.”

Para Anna Beatriz, falta uma sinalização mais acessível nos espaços públicos. “A cidade não possui uma comunicação em símbolos ou tecnologias que ajudem

a melhorar a autonomia de pessoas com deficiência intelectual”, diz. “Todas as políticas para esse público precisam ser inclusivas e não para manter a

lógica da exclusão. As barreiras não estão nos indivíduos, estão na sociedade e na cidade, pensando nas especificidades dos indivíduos.”

Fonte:
Portal R7 Site externo

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