segunda-feira, 27 de março de 2017

Brasil: 'Descreve pra mim', leva escritor cego a cobrar acessibilidade em rede social 

Há cinco anos Sidney Andrade, de Campina Grande, deixou de ver o mundo com os próprios olhos por um descolamento de retina nos dois olhos. Perdeu a visão e passou a enxergar através da descrição de outras pessoas. De forma lúdica e para tentar mudar nas pessoas o peso e a estigma contra a cegueira, Sidney, que tem 30 anos, criou uma conta na rede social Instagram para publicar imagens e pedir descrições diferenciadas dos seguidores. A página “descreve pra mim” já tem quase 150 publicações e imagens diversas. 'Decidi superar', diz adolescente albino e deficiente visual da Paraíba 'Um sonho', diz paraibana com síndrome de Down sobre faculdade A página foi criada em maio de 2015, com o intuito de publicar uma foto por dia. Mas as limitações da própria plataforma dificultaram a periodicidade diária do projeto. Segundo Sidney, o aplicativo não é muito acessível aos cegos. Para conseguir navegar pela internet no celular ou computador, ele usa um leitor de tela. No entanto, os elementos do Instagram não são identificados para que o leitor consiga fazer a leitura. “Por isso não posto diariamente, para eu publicar uma foto eu tenho que parar uns cinco, dez minutos”, confessou. Quem não conhece a história de Sidney pode estranhar a criação do perfil no Instagram, já que o aplicativo é liberado apenas para a publicação de fotos. No entanto, as pessoas se surpreendem quando descobrem que o motivo por trás da iniciativa é a quebra de um preconceito e de uma limitação da própria sociedade. “Daí vem o motivo do instagram, a falta de informação. Muita gente desconhece o fato de uma pessoa cega usar computador e redes sociais, acham que a gente não está presente”, explicou. A página “descreve pra mim” surgiu para ajudar outras pessoas, não apenas Sidney, que teve o privilégio de enxergar até os 25 anos de idade. “O instagram é uma rede só de imagens, seria o ambiente ideal para que eu estimulasse às pessoas esse ímpeto descritivo, para as pessoas entenderem que existem pessoas cegas nas redes sociais e também nas redes sociais que você imagina que não têm pessoas cegas, como o Instagram”, disse. Página 'descreve pra mim', no Instagram, com uma montagem do rosto de Sidney, a quantidade de publicações e seguidores, e fotos de uma mulher tocando violino, um jogo de xadrez e o universo (Foto: Reprodução/Instagram) Dando visibilidade ao conhecimento e incentivando as pessoas a exercitar a atividade de descrever imagens, incluindo as pessoas cegas nas redes sociais, Sidney já conseguiu mais de 750 seguidores, além dos amigos que também aceitaram a ideia no Facebook. “Muitos amigos começaram a adotar a descrição quando postam no Facebook agora”, comentou. Da visão total e parcial à cegueira A história de Sidney com a perda de visão é lenta e gradativa. “Eu tive vários níveis de visão”, contou. Há dez anos, ele começou a parar de enxergar. Começou com um alto grau de miopia e, decorrente de alguns problemas, perdeu a visão de um olho. Depois, a retina do outro descolou e Sidney ficou com baixa visão. um tempo depois, perdeu totalmente a visão. Hoje ele é servidor público e trabalha no Instituto Federal da Paraíba. Antes de perder a visão completa, ele foi professor de informática no Instituto dos Cegos. A gente pensa que a partir do momento que passa a ter uma deficiência sua vida está fadada ao isolamento" Sidney Andrade O fato de ter enxergado até os 25 anos não tira a dificuldade de viver em um mundo escuro. “Foi difícil, passei um tempo isolado, infelizmente é natural, porque a gente pensa que a partir do momento que passa a ter uma deficiência sua vida está fadada ao isolamento”, confessou. Sidney foi o primeiro cego que ele já conheceu. Aprendeu a lidar com a deficiência com a própria experiência. “Até aprender a lidar foi triste, por essa perspectiva de que um deficiente não pode ter uma vida feliz e plena. Hoje lido com certa naturalidade”, disse. Procura, seleção e publicação A primeira curiosidade de quem conhece o trabalho de Sidney é sobre as escolhas das imagens. Se ele não enxerga, como decide que imagens publicar? O que ele faz é acessar bancos de imagens que fornecem imagens de domínio público. De acordo com Sidney, o site é de fácil navegação, já que as imagens são identificadas com tags. Dessa forma, ele consegue ter uma noção básica, aproximadamente, o que a imagem significa através das palavras de identificação. “Só sei o que é a imagem quando eu posto”, explicou. O processo não é rápido e, por conta disso, as publicações não são diárias. Tem semana que o Instagram não recebe nenhuma publicação, por exemplo. "Preciso de tempo pra sentar no computador, acessar o site e salvar as fotos, para depois publicar. Salvo uma quantidade considerável. Não é tão simples pra mim procurar uma imagem", explicou. Sidney usa óculos escuros em frente a uma paisagem com árvores bem verdes, céu azul claro com nuvens e veste uma camisa listrada azul e branca (Foto: Sidney Andrade/Arquivo Pessoal) “Eu tive o privilégio de enxergar aos 25 anos de idade, [a iniciativa] não me ajuda a descobrir as coisas, porque algumas eu já conheço”, relatou. No entanto, há certas imagens que Sidney não é capaz de definir. Como o poster de uma série que ele estava assistindo e gostaria de conhecer o cartaz. Com a descrição no Instagram ele conseguiu ter uma percepção bem mais ampla. O maior benefício para Sidney é tentar explicar às pessoas que acessibilidade é algo necessário. É um auxílio para todos, tanto para os amigos cegos de Sidney como para os que não apresentam nenhuma deficiência, mas convivem numa sociedade onde em que é preciso respeitar as diferenças. Quando eu preciso e sinto a necessidade, escrevo" Sidney Andrade 'Escrevo o que der na telha' Em um texto publicado em uma plataforma da internet, Sidney ensina como as pessoas podem descrever e adquirir a experiência com o hábito. “As vezes as pessoas não têm o hábito porque não pensam sobre isso, nunca pararam para pensar sobre isso”, questionou. Quem descobre que Sidney já foi professor de informática, se questiona de onde veio a paixão pela escrita. Mas ele é formado em comunicação social e seguiu o mestrado em literatura. No projeto de mestrado, Sidney estudou a acessibilidade no computador. “Como eu tinha que dominar a técnica, acabei dando aula no Instituto [dos Cegos]”, comentou. O tema da cegueira não é o único que atrai Sidney. É na linha literário que ele mais gosta de estar. “Quando eu preciso e sinto a necessidade, eu escrevo. Escrevo o que der na telha”, confessou. Sob supervisão de Taiguara Rangel* Fonte:

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