quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Mochila Digital: inclusão ou mais exclusão?

Mesmo que as escolas ainda desconfiem da eficiência e eficácia do uso de dispositivos eletrônicos na sala de aula, a transição para formatos digitais esta se mostrando irreversível. * Lucy Gruenwald e Cristiana Cerchiari Como escreveu Celso Ming(1) , a Mochila é Digital! Segundo o artigo, o Ministério da Educação (MEC) aplicou, para o ano letivo de 2014, R$ 67 milhões em ferramentas digitais complementares aos livros impressos e o edital de compra de 2015 já prevê a aquisição de livros digitais e obras multimídia, com vídeos, animações, mapas interativos e outros recursos associados aos textos escritos. Em algumas escolas, o material escolar do Ensino Médio, por vezes se limita a um caderno de anotações e ao tablet, equipamento que leva vantagem de poder ser usado no ano seguinte. O diretor de Ações Educacionais de Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Rafael Torino, citado no artigo de Ming, diz que “Este é um processo gradual de inserção digital, não será obrigatório e não será uma substituição pura e simples dos livros impressos”. Ótimo! As escolas, professores, pais e alunos terão opção, ou seja, poderão escolher entre o livro impresso ou o livro digital. Mas, como ficam os alunos com deficiência que são impossibilitados de usar uma versão impressa? Eles terão acesso aos livros no formato eletrônico em igualdade de condições? Vejamos as seguintes situações. Para os alunos cegos, o formato digital pode ser uma ótima oportunidade para terem acesso aos livros, já que não podem ler versões impressas e as versões em braile nem sempre estão disponíveis. Pessoas cegas podem ler livros se estiverem em formato eletrônico utilizando leitores de tela (programas que “falam” com voz sintetizada) ou um linha braile (equipamento eletrônico acoplado ao computador do usuário que reproduz em braile - por meio de pinos que sobem e descem - o conteúdo da linha do texto apresentada na tela). Para alunos com baixa visão, conteúdos no formato digital também podem fazer toda a diferença. Livros impressos podem ter tipografias que não atendem as necessidades destes alunos que para visualizar podem precisar de letras ou espaçamentos entre linhas muito maiores, ou então mudar o contraste entre as cores do texto e a de fundo (exemplo: fundo preto com letras brancas). A disponibilização de livros com essas características não parece viável e nem tem sido contemplada pelas editoras. Entretanto, se o livro estiver no formato digital, eles poderão ser lidos mais facilmente no computador (com softwares ampliadores), em tablets ou em equipamentos específicos de leitura conhecidos como e-readers, já que todos possuem recursos para atender a estas necessidades específicas das pessoas com baixa visão. Os alunos com dificuldade de mobilidade nos membros superiores também poderão se beneficiar da versão digital. Segurar ou “virar” as páginas de um livro pode ser muito mais fácil em um tablet do que na versão impressa. A versão digitalizada poderia dar-lhes autonomia para fazer isto, quer por um toque na tela, quer por comando de voz. Para alunos com dislexia, com dificuldade de leitura ou de aprendizagem o formato digital pode ser também de grande valia. Poderão usar sintetizadores de voz que sincronizam a fala com a localização do cursor na tela, sublinhando e destacando as palavras lidas enquanto é feita a leitura, o que pode favorecer a relação entre sons produzidos por fonemas e suas respectivas representações gráficas facilitando a aprendizagem. Os livros digitais permitem ainda que alunos com (e sem) deficiência possam, além de ler, fazer marcações, copiar trechos, soletrar palavras, fazer buscas em dicionários online etc. Livros digitais podem inclusive conter multimídia embutida (arquivos de áudio e vídeo) que com certeza tornarão o aprendizado mais dinâmico e divertido. Um livro digital (e-book) pode ser lido em computadores, equipamentos específicos (e-readers), em tablets ou celulares que suportem esse recurso e pode ser armazenado em vários formatos como: PDF, HTML, e-Pub, DAISY, iBook, Kindle entre outros. O que é extremamente importante saber é que, dependendo do e-reader ou do formato do e-book escolhidos, o livro (mesmo que digital) poderá não ser lido por determinadas tecnologias de apoio (conhecidas como assistivas), como os leitores de tela (usados pelos alunos cegos), os ampliadores (usados por alunos de baixa visão ou os sintetizadores de voz, se o conteúdo digital não for adequadamente “acessibilizado”). “Acessibilizar” um conteúdo digital significa incluir marcações extras e tomar alguns cuidados (como por exemplo, verificar e eventualmente corrigir a ordem de leitura dos elementos da página). Ou seja: NÃO BASTA SER DIGITAL, TEM QUE SER ACESSÍVEL. Garantir a acessibilidade dos livros digitais não é tarefa fácil porque envolve vários atores, mas é meta imprescindível. E como cada ator pode se preparar para esta tarefa tão desafiadora? O que os Governos podem fazer? • Incluir em suas licitações os requisitos de acessibilidade tanto para a compra de tablets quanto para a compra de livros didáticos. • Especificar, em detalhes, o que se entende por livro digital acessível (caso contrário, cada Editora criará o seu padrão, segundo o seu entendimento e interesse). • Fomentar o conhecimento dos requisitos de acessibilidade nos livros digitais escolares, junto às editoras, escolas e professores. • Definir responsabilidades na criação do material acessível e na oferta de versões alternativas para atender alunos com deficiências específicas. O que as Editoras podem fazer? • Entender as necessidades das pessoas com deficiência e seu potencial como consumidor de cultura, comercializando versões digitais acessíveis. O que as Escolas podem fazer? • Considerar acessibilidade desde o início, quando planejarem o uso de novas tecnologias. • Adquirir somente livros digitais e tablets que sejam acessíveis aos alunos com deficiência, ou prover recursos para criar versões alternativas na própria instituição. • Capacitar os professores para que utilizem tecnologias assistivas em seu trabalho e entendam as necessidades dos alunos com deficiência com relação ao material digital, utilizando para este fim, por exemplo, os horários de trabalho pedagógico. • Alocar recursos para compra de tecnologias assistivas adicionais, quando for o caso. • Oferecer suporte a alunos com deficiência e a professores para aquisição de tecnologia e treinamento no uso de material digital acessível. • Prover legendagem e audiodescrição em livros que contiverem recursos multimídia para que alunos cegos e surdos possam acessar o conteúdo em igualdade de condições. O que os professores podem fazer? • Entender as possibilidades da Acessibilidade Digital. • Selecionar livros e vídeos para suas aulas que atendam aos requisitos de acessibilidade e/ou disponibilizar adaptações desses materiais que tenham sido feitas por eles. • Ajudar a identificar as necessidades do aluno com deficiência para que ele tenha acesso aos recursos mais adequados. O que as Organizações Não Governamentais, com foco na pessoa com deficiência, podem fazer? • Liderar movimentos que pressionem fabricantes e fornecedores a oferecer produtos com acessibilidade para as pessoas com deficiência. • Protestar junto aos Ministérios de Educação e Justiça quando constatarem que os direitos das pessoas com deficiência não estão sendo atendidos. (leia artigo interessante em “Make Kindle E-books Accessible” da National Federation of the Blind (NFB) sobre o movimento que liderou, desde 2009, contra a Amazon por causa da inacessibilidade do seu produto Kindle, e a orientação que fizeram para que as Universidades não adotassem este produto como padrão em suas instituições). O que os familiares e os alunos com deficiência podem fazer? • Exigir, de suas escolas, que sejam cumpridas as ações do Artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da ONU (promulgada no Brasil como Decreto Legislativo 186/08), que diz o seguinte: “Os Estados partes assegurarão que as Pessoas com Deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência... que sejam providenciadas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais... que recebam apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação...” Concluindo: Por ampliarem o acesso de muitos alunos a materiais escritos, o uso de livros digitais nas escolas pode fazer uma enorme diferença na inclusão do aluno com deficiência, mas se não forem acessíveis, serão inúteis, pois criarão novas barreiras, podendo trazer uma exclusão ainda maior para esses alunos. O Brasil, que está se iniciando no processo de transformação digital na área da Educação, não pode perder esta grande oportunidade de criar condições para que alunos com deficiência tenham não só a oportunidade de entrar na escola, mas de permanecer nela, exercer a cidadania e adquirir conhecimentos necessários para participar, futuramente e produtivamente, do mercado de trabalho e do mercado consumidor. 1. Estado de São Paulo edição 2/fev/2014: http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2014/02/01/mochila-digital/ * Texto escrito por Lucy Gruenwald: consultora, palestrante e sócia proprietária da LBG Informática, empresa com foco em trabalhos de Acessibilidade Digital. Coautoria de Cristiana Cerchiari que atua na área de Educação Inclusiva e é cega. Email para contato: lucygru@gmail.com. Site: www.lbgacessibilidade.com.br ¤ fonte:rede saci

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