segunda-feira, 1 de abril de 2013

 Muito além da cota

Reportagem de João Guedes

João Guedes

Participar do processo de inclusão de pessoas com deficiência não significa apenas contratar colaboradores conforme prevê a legislação

Mais de duas décadas depois da publicação da Lei de Cotas, em 1991, os trabalhadores com deficiência ainda precisam vencer o desrespeito à legislação,

a fiscalização insuficiente e a resistência cultural dos empregadores para conquistar novas oportunidades no mercado de trabalho brasileiro. Para inverter

o jogo, o Ministério do Trabalho orienta seus auditores ern todo o país e traça metas anuais de inclusão, mas o dia a dia das organizações mostra que a

qualidade de vida no trabalho das pessoas com deficiência (PCD) não depende apenas da mera admissão de colaboradores conforme o número mínimo previsto

na legislação.

É preciso conscientizar empresários, gestores e colegas de equipe das PCDs sobre a importância da oferta de emprego a esses profissionais e sobre o potencial

que eles têm em dar o retomo desejado em todos os ramos de atividade econômica. Também é importante a mobilização do empresariado, setor público e Sistema

S (Sesc, Sesi, Senai e Senac) no incentivo a iniciativas de capacitação que possam contribuir para a ampliação da empregabilidade de quem tem algum tipo

de deficiência.

Além da abertura de novos postos, também deve ser adotado um afinado trabalho multidisciplinar de preparação e adaptação de equipamentos e espaços laborais.

Ergonomistas, médicos, psicólogos e técnicos em segurança, entre outros, têm o papel de pensar toda a adequação das edificações, móveis, softwares, práticas

internas, fluxo de informação e sistemas de segurança para garantir um processo bem sucedido de incorporação desses trabalhadores no mundo do trabalho.


Empregada como webdesigner na divisão brasileira de uma multinacional em São Paulo, a deficiente auditiva Maria Rita Ribeiro de Oliveira (foto acima),

30 anos, vive uma realidade ainda distante da maioria das pessoas com deficiência (PCD) no Brasil. Responsável pela criação e alteração de banners e newsletters

enviadas por e-mail, ela é uma das 92 PCDs que atuam nas unidades da Serasa Experian no país.

Capacitada em um curso do Programa de Empregabilidade da organização, ela conta com um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para acompanhar

reuniões e palestras. De resto, não tem diferença em sua rotina se comparada a qualquer colega sem problemas físicos confirmando, na prática, a condição

da companhia como um dos ainda raros bons exemplos brasileiros de inclusão de PCD e de respeito à Lei 8.213/1991, que em seu artigo 93 prevê sobre a contratação

de portadores de necessidades especiais, a chamada Lei de Cotas.

A lei diz que todas as empresas a partir de 100 funcionários devem ter pelo menos 2% de seu quadro de pessoal formado por pessoas com deficiência. A participação

máxima chega até 596, conforme o tamanho da companhia. Veja o quadro O que diz a Lei de Cotas [Mais adiante]. A regra é simples, mas, na prática, de difícil

assimilação pela cultura das muitas empresas que ou desconhecem a lei ou simplesmente optam por descumprí-la.

A dificuldade em fazer a lei emplacar de vez, mesmo depois de duas décadas, é atestada pelos números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

e do Ministério do Trabalho. O Censo 2010 indica que o País tem 42 milhões de pessoas com deficiência com 15 anos ou mais. Desse total, apenas 306 mil

tinham empregos formais em 2010, de acordo com dados da RAIS. O número equivale a apenas 32% das 937 mil vagas que deveriam estar preenchidas caso fossem

criados apenas os postos de trabalho suficientes para o cumprimento da Lei nas empresas brasileiras com 100 empregados ou mais. A estimativa é do Espaço

da Cidadania, órgão criado em 2001 com o objetivo de estimular o debate sobre políticas públicas voltadas para a igualdade de oportunidades, em especial,

questões relacionadas à inclusão social das pessoas com deficiência.

MÃO DE OBRA

Mas por que, depois de mais de 20 anos, boa parte das empresas ainda não cumpre a Lei de Cotas? Para Carlos Aparício Clemente, diretor e fundador do Espaço

da Cidadania, a resposta está na cultura das empresas. A maior parte das que cumprem a lei só passou a fazê-lo quando o MTE iniciou a fiscalização das

cotas, 12 anos depois de sua publicação. "A primeira multa (por não cumprimento das cotas) ocorreu em março de 2003. Até então, a lei estava apenas no

papel", conta Clemente.

Na época, de acordo com Clemente, o órgão fez suas primeiras ações de orientação aos seus fiscais sobre como fiscalizar a Lei. A partir de então, o Ministério

passou a intensificar sua atuação, especialmente no Estado de São Paulo, dando início a uma guerra de versões sobre a viabilidade de se cumprir a legislação.

De um lado, as empresas punidas justificavam que não há pessoas com deficiência o suficiente para ocupar os postos de trabalho abertos pela legislação.

De outro, a fiscalização e entidades de apoio aos portadores de deficiência sustentavam que há mão de obra de sobra para preencher as vagas. "Esses eram

os grandes argumentos que ouvíamos em 2001. As empresas diziam que tinham vagas, mas não tinham pessoas. Naquele momento, seriam abertos 520 mil postos

se a lei fosse totalmente cumprida. E os dados do Censo 2000 mostravam que 14,5% da população era formada por portadores de deficiência. Tínhamos 15 milhões

de pessoas em idade de trabalho, entre 15 e 59 anos", recorda Clemente.

Essa disponibilidade de mão de obra foi referendada uma década depois, com o Censo 2010. O levantamento usou novos critérios para a identificação das pessoas

com deficiência, mostrando que 23,9% da população é de PCDs, somando mais de 45 milhões de pessoas.

PREPARO

Outra alegação comum na hora de justificar a não contratação de pessoas com deficiência era de que essas pessoas não estariam preparadas para o mercado

de trabalho. Mas o mesmo Censo de 2000 mostrava que as pessoas com deficiência tinham médias de escolaridade semelhantes às das pessoas sem deficiência.

Até porque, na maior parte dos casos, a deficiência sequer interfere na vida escolar. "O Censo mostrou que 86,5% das pessoas com deficiência passou a ter

o problema depois dos 20 anos. Ou seja, o problema pega a pessoa com a escolaridade, conhecimento e cultura que ela já tinha", observa Clemente.

Em 2010, o levantamento do IBGE voltou a contrariar a tese de que falta capacitação e escolaridade das PCDs. As pessoas com ensino médio completo e ensino

superior representam 24,2% dos brasileiros com deficiência acima de 15 anos. Ou seja, um exército de reserva de mais de 10 milhões de pessoas abertas ao

mercado de trabalho, número 10 vezes superior ao número de vagas que deviam ser abertas para o total cumprimento das cotas. Apesar de tanta gente disponível,

as empresas brasileiras ainda estão distantes do total cumprimento da lei. De acordo com levantamento do Espaço da Cidadania, a média de atendimento à

exigência legal era de apenas 27,4% em dezembro de 2011.

APRENDIZADO

Com os números mostrando que a maior parte das empresas está pouco propensa a contratar os PCDs, resta ao Ministério do Trabalho o papel de funcionar como

principal motor da expansão da presença destas pessoas nos escritórios e linhas de produção brasileiros. Isso porque, em muitos casos, são as notificações

e autuações dos fiscais que levam as organizações a iniciaram seus programas de inclusão. É comum, inclusive, que a punição de uma empresa sirva de exemplo

a outras de um mesmo setor ou região, criando áreas de maior desenvolvimento da inclusão.

É o que acontece na região de Osasco, em São Paulo. Palco das primeiras ações sistemáticas de fiscalização da Lei de Cotas, em 2003. apresenta números

animadores de inclusão, especialmente na indústria metalúrgica. Na região, o setor apresentava 82,4% de cumprimento da lei até o final do ano passado (considerando

104 empresas pesquisadas em levantamento do Espaço da Cidadania). Alguns segmentos apresentam índices acima de 100%, ou seja, contratam PCDs em número

superior ao exigido pela lei. "Os empresários fiscalizados passaram a contratar (pessoas com deficiência) e hoje têm orgulho dessa situação", acrescenta

Clemente, comentando os resultados obtidos a partir do trabalho do Projeto de Inclusão da Pessoa com Deficiência, fruto de parceria entra a Gerência Regional

do Trabalho e Emprego de Osasco e Região e o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região.

O tempo e a experiência venceram as resistências iniciais dos donos das fábricas metalúrgicas de Osasco e cidades próximas. Para Clemente, eles aprenderam

que o mais importante é a contratação da pessoa certa para uma determinada função, garantindo um bom desempenho e o resultado operacional esperado.

NOVA ETAPA

Fundamental para a garantia dos direitos dos trabalhadores com deficiência, a fiscalização do Ministério do Trabalho sobre a Lei de Cotas foi reforçada

em 2012 com a publicação de uma Instrução Normativa do órgão, a IN 98, que reduziu dúvidas dos fiscais sobre a lei. Confira o quadro Principais mudanças

trazidas pela IN 98.

PRINCIPAIS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA IN 98

Em agosto do ano passado o MTE publicou a Instrução Normativa n° 98 para reforçar a Fiscalização do Trabalho sobre a importância do cumprimento mais qualificado

da Lei de Cotas. Assim, ficou evidente:

Nova caracterização da condição de pessoa com deficiência, com base nos parâmetros biopsicossociais da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.


Promoção da qualificação e inclusão nas empresas de empregados com deficiência a partir de cursos de aprendizagem profissional.
Ficalização de PPRA, PCMSO e acessibilidade para verificar se são contempladas medidas que considerem as especificidades dos empregados com deficiência.


Fiscalização das cotas atenta à inibição de práticas discriminatórias.
Fiscalização de concursos públicos.
Fonte: Rafael Faria Giguer - auditor fiscal do trabalho do Núcleo Igualdade no Trabalho da SRTE/RS

Não foi a primeira vez que o MTE publicou uma Instrução Normativa sobre as cotas, corno observa José Carlos do Carmo, médico, auditor fiscal do Trabalho

e coordenador do Programa de Inclusão da Pessoa com Deficiência do Ministério do Trabalho no Estado de São Paulo. Em 2001, a IN 20 trouxe os primeiros

esclarecimentos. O principal deles era a reafirmação de que era mesmo competência dos fiscais do Ministério a verificação do cumprimento da Lei. Havia

uma dúvida em relação a essa atribuição, urna vez que as regras relativas às cotas são descritas em artigos da legislação previdenciária. "A IN 20 deu

os primeiros esclarecimentos. Agora, a IN 98 foi publicada num momento em que temos novos referenciais e paradigmas nesta questão de inclusão. Vai além

do que está sendo colocado de maneira simples na lei, apontando como objeto da fiscalização, a questão da qualidade na inclusão", diz.

O QUE DIZ A LEI DE COTAS (LEI N° 8.213/1991 - ARTIGO 93)
Obriga que as empresas com 100 ou mais empregados preencham parte de seus cargos com pessoas com deficiência.
A quantidade mínima de colaboradores PCDs varia conforme o número geral de empregados na organização:
Funcionários Cota de PCDs
de 100 a 200 2%
de 201 a 500 3%
de 501 a 1.000 4%
a partir de 1,001 5%
Fonte: Cartilha A Inclusão das Pessoas com deficiênda no Mercado de Trabalho. Secretaria de Fiscalização do Tiabalho (SIT) do Ministério do Trabaiho e

Emprego

Além de verificar o cumprimento da cota, os fiscais devem ficar atentos também a aspectos como a atenção às particularidades das pessoas com deficiência

nos PCMSOs (Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e PPRAs (Programas de Prevenção de Riscos Ambientais). Também devem checar se as CIPAs (Comissões

Internas de Prevenção de Acidentes) estão realizando o acompanhamento - registrado em ata - do processo de inclusão.

Ao ampliar a orientação aos auditores fiscais, a IN 98 abriu uma nova etapa na história da fiscalização da Lei de Cotas, que passou seus 10 primeiros anos

de existência restrita ao texto legal e longe da realidade. A história começou a mudar com a publicação do Decreto 3.298, em 1999 (que regulamentou a Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), que confirmou a competência do Ministério do Trabalho para a fiscalização e detonou as

primeiras ações, ainda vinculadas diretamente ao gabinete do Ministro. Somente com a IN 20, dois anos depois, é que a questão começou a chegar aos fiscais

nos Estados. Desse primeiro período não há dados compilados sobre essa fiscalização, segundo Fernanda Maria Pessoa di Cavalcanti, coordenadora nacional

do Projeto de Inserção de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. O órgão passou a sistematizar a coleta de dados a partir de 2005 e, apenas em

2008, a questão da inclusão começou a figurar com maior vigor na agenda de trabalho das auditorias, com a inclusão de metas de contratação de PCDs no PPA

(Plano Prurianual), do governo federal.

RESPONSABILIDADE

Em 2009, outra mudança importante, com a modificação da estratégia de fiscalização. Em vez de ações específicas, as unidades estaduais do Ministério passaram

a trabalhar com projetos de fiscalização. No caso da Lei de Cotas, isso significa que para cada Estado há uma estratégia de fiscalização adequada à realidade

local.

Segundo Fernanda, cada unidade tem uma meta, conforme o número de empresas com mais de 100 empregados no Estado. As superintendências têm sua cota de responsabilidade

para o cumprimento do objetivo estabelecido no PPA 2012-2015 de promover a inclusão de 160 mil pessoas a partir de ações diretas da fiscalização. Confira

mais sobre Estimativa e cumprimento da Lei de Cotas por Estado na edição deste mês em
www.protecao.com.br.
Em 2012, o plano de incluir 35 mil trabalhadores
foi cumprido, de acordo com ela: "foram 35,4 mil contratações em todo o Brasil", diz. Para este ano, o volume de contratações previsto no plano é de 40

mil pessoas.

Nesse processo, a IN 98 figura como uma importante aliada na disseminação da inclusão no Brasil, uma vez que, segundo Fernanda, a instrução também padroniza

a atuação e leva orientações aos fiscais que ainda não tinham se aprofundado na questão da presença dos trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho.

"Mas o objetivo maior da fiscalização é de que esse número diminua e que a gente precise fazer menos esforço, que a cota seja cada vez mais cumprida",

pondera.

Além da atuação do órgão, Fernanda também assinala outras alterações na legislação que deram força ao processo de inclusão de trabalhadores no Brasil.

Uma delas foi a alteração da Lei de Aprendizagem, em 2005, que excluiu a limitação de idade para o trabalhador com deficiência atuar como aprendiz. Além

disso, as pessoas com deficiência passaram a poder acumular os vencimentos do Benefício de Prestação Continuada com os rendimentos de trabalhador aprendiz.


A aprendizagem é, na opinião da coordenadora nacional, uma das principais ferramentas disponíveis para a promoção da integração das PCDs nas empresas,

especialmente aquelas que têm baixa qualificação e pouca escolaridade. "São pessoas que já tiveram a barreira do acesso à educação. Muitas nunca trabalharam

ou saíram de casa. Com a aprendizagem, a pessoa também enxerga o mercado de trabalho e se percebe como alguém útil", diz.

Erros e acertos

Sucesso na contratação inclui tratamento equânime da chefia

Aos 23 anos, a auxiliar administrativa Janaína Santos [foto acima] não esconde orgulho ao elencar o conjunto de suas atribuições no emprego conquistado

há cinco meses na unidade de Itapecerica da Serra/SP da indústria farmacêutica Boehringer Ingelheim do Brasil. Atuando na área de recrutamento e seleção,

ela já toca sozinha projetos da empresa, com o mesmo nível de cobrança e de responsabilidade imposto às pessoas sem deficiência.

É esse tratamento igualitário quanto à expectativa de desempenho um dos pontos decisivos apontados por especialistas para que um processo de inclusão seja

bem sucedido. A ideia é de que a PCD receba tratamento diferenciado quanto à estrutura física de seu espaço e condições de trabalho, justamente o necessário

para compensar a deficiência. A partir disso, o cenário ideal é aquele em que a pessoa encara, sempre que possível, demandas equivalentes a dos seus colegas,

sem estabelecer uma situação de privilégio na comparação com os demais integrantes do setor. "Há uma visão de que um portador de deficiência não é capaz

de muita coisa", afirma Janaína, que tem nanismo e conta com apoio especial para os pés em sua mesa de trabalho.

Ela é uma das 55 pessoas com deficiência que atuam na empresa, segunda Priscila Matos, consultora de Recursos Humanos da Boehringer Ingelheim do Brasil,

que também oferece programas de capacitação para que as PCDs possam se desenvolver e galgar novos postos na organização.

CONSCIENTIZAÇÃO

Se o sucesso do processo de inclusão depende de um tratamento equânime por parte do chefe imediato na hora de fixar a carga de tarefas e cobrar resultados,

muitas vezes, a organização precisa realizar um trabalho especial de conscientização de seus gestores, segundo Thiago Pinheiro Marques, sócio diretor da

Consultoria Sem Barreiras. Para ele, é preciso treinar os chefes imediatos que vão receber as PCDs em suas equipes. "Muitos imaginam, por exemplo, que

a pessoa com deficiência não pode ser demitida. Mas o que os gestores precisam aprender é que a empresa não está fazendo assistencialismo, e, sim, contratando

profissionais. A pessoa que tem deficiência tem de cumprir o mesmo horário, por exemplo. Inclusão é a equalização das pessoas", diz.

Muitas vezes, de acordo com Marques, o gestor imediato pode ser uma importante fonte de problemas para a inclusão de uma PCD. Sem a cultura da integração,

ele pode se imaginar injustiçado, pensando que a empresa, cobra resultados, mas manda um ''deficiente' para sua equipe. "Há casos em que o gestor não está

preparado e, no dia a dia, não favorece o desenvolvimento dessa pessoa porque foi obrigado a recebê-la. Já o colaborador com deficiência, por sua vez,

não vê no gestor a referência positiva e acaba se isolando", relata.

EQUÍVOCOS

Para que eventuais resistências culturais ao trabalho das pessoas com deficiência não minem um programa de inclusão é fundamental, segundo Carlos Aparício

Clemente, do Espaço da Cidadania, que a contratação das PCDs seja uma decisão firme da direção da empresa. "É importante a direção tomar as rédeas e mostrar

que quer fazer a inclusão", argumenta o diretor da entidade.

Mas mesmo quando a diretoria está disposta a bancar um processo deste tipo as empresas não estão livres de cometer erros frequentes na hora de admitir

uma PCD. Um destes equívocos, de acordo com Marques, é a fixação de jornadas de trabalho ou remuneração diferentes das oferecidas aos demais funcionários,

o que funciona como mais um elemento de distanciamento entre as pessoas com deficiência e os parceiros de equipe. "Não pode ter discriminação salarial.

Se faz uma determinada atividade, tem de ganhar um salário compatível", diz.

Outro erro cometido por empresas na ânsia de cumprir a cota é a inversão do processo no recrutamento. O correto seria que todas as vagas abertas estivessem

disponíveis para que pessoas com ou sem deficiência se candidatassem. E, quando uma PCD fosse selecionada, é que se deveria pensar na adaptação ergonômica

e de acessibilidade necessárias. No entanto, há organizações que identificam em seus fluxos de produção postos que podem ser ocupados por pessoas com deficiência

e, a partir disso, buscam PCDs especificamente para determinadas funções.

Clemente também destaca como falha a discriminação por deficiência que se dá pela preferência a um ou outro tipo de problema físico na hora de selecionar.

Assim, algumas companhias acabam centrando suas contratações em deficientes visuais ou auditivos. Ou preferem deficientes físicos leves, que têm poucas

necessidades de adaptação.

Por isso, atesta Clemente, os deficientes físicos lideram a lista de empregados, seguidos pelos auditivos, reabilitados e deficientes visuais (cuja minoria

é composta de pessoas totalmente cegas). Por último, aparecem os deficientes mentais e as deficiências múltiplas, cujos trabalhadores são os que mais têm

dificuldade em conseguir uma colocação. Veja o quadro Perfil dos brasileiros com deficiência.

PERFIL DOS BRASILEIROS COM DEFICIÊNCIA

População total: 190.755.799
Pessoas com pelo menos uma deficiência (entre as investigadas pelo Censo do IBGE): 45.606.048
Percentual de brasileiros com deficiência: 23,9%
Distribuição por tipo de deficiência:
Visual
- Não consegue ver de modo algum: 506.377
- Grande dificuldade: 6.056.533
- Alguma dificuldade: 29.211.482
Auditiva
- Não consegue ouvir de modo algum: 344.206
- Grande dificuldade: 1.798.697
- Alguma dificuldade: 7.574.145
Motora
- Não consegue de modo algum: 734.421
- Grande dificuldade: 3.698.929
- Alguma dificuldade: 8.832.249
Mental/intelectual: 2.611.536
Nível de instrução das pessoas com deficiência com 15 anos oumais no Brasil
- Sem instrução e Fundamental incompleto: 25.766.944 (61,1%)
- Fundamental completo e Médio incompleto: 5.967.894 (14,1%)
- Médio completo e Superior incompleto: 7.447.983 (7,7%)
- Superior completo: 2.808.878 (6,7%)
- Não determinado: 154.947 (0,4%)
- Total: 42.146.646 (100%)
Fonte: Censo 2010 - IBGE/Espaço da Cidadania

MÃO DUPLA

Sobram aspectos a serem observados na condução de um plano de inclusão. Mas, para José Carlos do Carmo, trata-se de um trabalho que vale a pena. "Há empresas

que souberam encontrar pessoas com capacidade, melhorando a produtividade e o ambiente de trabalho. Há relatos de situações em que a presença das pessoas

ajuda a humanizar os ambientes, resgatando a solidariedade entre os trabalhadores", acrescenta.

Resultados como esses são perseguidos por iniciativas como a da Serasa Experian, que há 11 anos iniciou um programa de contratação de PCDs e hoje conta

com 92 trabalhadores nessa condição, sendo 26 deficientes auditivos e 22 deficientes visuais.

João Ribas, coordenador de Diversidade e Inclusão da companhia, salienta que a inclusão deve ser um caminho de mão dupla. A empresa deve estar aberta a

receber estes trabalhadores e disposta a investir o que for necessário para adaptar seus espaços. E o trabalhador precisa estar comprometido com o desempenho

de seu trabalho e o retorno à empresa. "A Lei assegura maior oportunidade a uma parcela da sociedade, é um dispositivo coletivo. Não garante que ninguém

tenha emprego. Se for preciso demitir, a empresa só estará obrigada a contratar uma nova pessoa com deficiência", conta.

O executivo, que é cadeirante, acrescenta que a integração das PCDs no ambiente de trabalho também depende de um tipo de capacitação que vai além da mera

preparação dos trabalhadores para suas funções. Cursos de libras para os colegas dos deficientes auditivos são importantes para uma inclusão mais eficiente.

Também são indicados cursos de português para quem tem esse tipo deficiência. Isso porque a 'língua materna' deles é a libras, o que pode trazer dificuldade

na hora de redigir relatórios e e-mails de trabalho.

REDE

À frente de um programa que teve início em 2001, Ribas reforça a ideia de que o apoio da alta direção à contratação das PCDs é decisivo em qualquer organização.

É importante que, mesmo o gerente contrário à presença de pessoas com deficiência saiba que se trata de uma política da empresa que precisa se acatada.


Mas não se trata, segundo ele, de promover uma cruzada pela inclusão. É preciso levar informação e sensibilizar os gestores sobre a importância da medida

e de pequenos gestos. "Não pode estar do lado do surdo e simplesmente mandar um e-rnail, sem fazer esforço de comunicação. Não dar bom dia. Aí, a pessoa

(com deficiência) se sente mal e sai. Mas o trabalhador, por sua vez, também precisa entender que as pessoas não têm obrigação de saber coisas a seu respeito.

É preciso dar abertura, sem ser uma pessoa revoltada que quer privilégios em vez de direitos", comenta.

Para todos

Acessibilidade e ergonomia são a base na hora de adaptar

Adaptar acessos, espaços de trabalho, equipamentos e soffcwares é uma das principais preocupações vinculadas à inclusão das PCDs no mercado de trabalho.

Trata-se de um desafio para as organizações que precisam fazer adequações em meio à complexa diversidade de deficiências existentes e à falta de regras

de acessibilidade e ergonomia específicas para adequação de ambientes de trabalho.

Sem normatizações voltadas para saúde e segurança dos profissionais com deficiência, resta às empresas a alternativa de combinar os preceitos previstos

em outras normas, como explica Jacinta Renner, fisioterapeuta ergonomista e coordenadora do programa de mestrado e doutorado em diversidade e inclusão

da Feevale, em Novo Hamburgo/RS.

A base empregada na hora de pensar adaptação de uma empresa e de postos de trabalho é a observação da NBR 9050 que trata sobre acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos - e da Norma Regulamentadora 17, sobre ergonomia no trabalho. Também deve ser considerada, principalmente no

caso das indústrias, a NR 12 que orienta a respeito da utilização de máquinas e equipamentos do ponto de vista da segurança. "Também é preciso observar

os princípios de ergonomia e da acessibilidade universal", completa Jacinta.

Rafael Faria Giguer, auditor fiscal do trabalho do Núcleo Igualdade no Trabalho da SRTE/RS, acrescenta que também devem ser considerados a NR 7 (Programa

de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e a NR 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e o Artigo 11 do Decreto 5.296, que trata sobre acessibilidade

na construção, reforma ou amplicação de edificações.

AJUSTES

O profesor doutor Maurício Duque, diretor técnico da consultoria DCA, adverte, no entanto, que a NBR 9050 é pensada para espaços públicos, que normalmente

têm dimensões e, principalmente, propósitos de uso diferentes de empresas, onde há movimentação de materiais, de cargas e de pessoas trabalhando. "Não

tem uma norma de acessibilidade para indústria, para fábricas. Quem for fazer o projeto vai ter de pegar o conceito da NBR 9050 e desenvolver", diz.

Além de não haver normas destinadas ao trabalho das PCDs, outra dificuldade é a inexistência de fórmulas prontas capazes de atender às necessidades de

qualquer deficiente em qualquer situação. Cada caso é um caso. Sempre.

Isso porque cada posto de trabalho deve ter suas adaptações pensadas a partir de uma análise feita a partir da combinação entre as características da pessoa

contratada e os movimentos e deslocamentos que serão necessários para o desempenho da função. Isso não significa cuidar apenas dos aspectos operacionais.

É preciso estar atento à acessibilidade até o banheiro, até a sala de reuniões, até a impressora, até o refeitório, e assina por diante. Outro cuidado

é com a facilidade que a PCD terá para se deslocar pelo prédio, não considerando apenas os locais ligados ao seu dia a dia. "A gente precisa adaptar o

trabalho ao homem e não o contrário", comenta Duque.

A necessária conjugação de deficiência com rotina da função para determinar as adequações necessárias, faz com que não se tenha uma lista de adaptações

obrigatórias, mas, aspectos que devem ser observados para pensar a saúde e a segurança do profissional com deficiência. Trata-se de um processo multidisciplinar

na avaliação de Jacinta, que deve envolver técnicos de segurança, ergonomistas. fisioterapeutas, terapeuta ocupacional e psicólogo.

ESTUDO

Cada tipo de deficiência merece uma atenção.especial e o estudo completo das necessidades, o que, naturalmente, faz surgir elementos nunca imaginados por

quem não trabalha com uma PCD ou não tem deficiência.

Quando um deficiente visual entra numa empresa, um dos itens fundamentais é a instalação do piso tátil [foto acima], que orienta principalmente os completamente

cegos na movimentação com a bengala. Esses profissionais também podem se utilizar de softwares especiais para leitura de tela, lupas para leitura, de papéis

impressos e até impressoras em braile. E devem contar com manuais e listas de procedimentos em formato acessível, como Braille, caracteres ampliados ou

em formato digital.

Mas as pessoas com deficiência visual também precisam de apoio em questões menos óbvias do que o piso especial e o material em braile. Um exemplo? Não

se deve mexer na mesa de um deficiente visual depois que ele sai do trabalho. Ao encerrar suas atividades, o trabalhador cego ou com grandes limitações

da visão deixa cada objeto de que faz uso em locais exatos em sua mesa. "Se aquele objeto não estiver no mesmo lugar no dia seguinte, ele fica perdido

porque perde a referência do espaço", acrescenta Jacinta, que também é diretora e ergonomista responsável da Qualivida Consultoria em Saúde.

Duque destaca outros pontos que precisam ser considerados antes de receber um deficiente visual para trabalhar na empresa. É preciso analisar, no posto

de trabalho, o nível de iluminação, a posição da iluminação, a possibilidade de ofuscamento pelo sol e eventuais reflexos da janela. "Em um posto de trabalho

na indústria pode-se criar nichos para a colocação das peças, permitindo a memorização do local de cada componente", diz Duque.

Jacinta salienta que os deficientes auditivos, mesmo os completamente surdos, precisam de proteção contra ruído em excesso. Afinal, mesmo sem a audição,

muitos seguem sensíveis às vibrações dos sons. "Há pessoas que ficam com os ouvidos sangrando em função da vibração de um som muito alto", conta. "Não

pode trabalhar com o nível de ruído elevado, o que poderia agravar a deficiência, reforça Duque.

Os deficientes auditivos também têm uma adequação necessária ligada a sistemas de segurança. Em muitos lugares, os alarmes de incêndio ou de segurança

das máquinas são apenas sonoros. Nesse caso, é preciso instalar ou desenvolver sinais visuais. Uma luz piscante, por exemplo.

INDEPENDÊNCIA

Duque afirma que toda adequação deve buscar essencialmente a independência do profissional para se movimentar e trabalhar, ponto levado em conta na hora

de projetar uma estação de trabalho com computador. A adequação da mesa é um ponto decisivo principalmente para os cadeirantes. Como não existe um padrão

para altura das cadeiras de rodas, é fundamental que as mesas tenham regulagem de altura. "Mas é preciso avaliar a ergonomia da tarefa e do trabalho, se

é um call center ou uma recepção", diz.

A partir disso, a empresa tem de avaliar os espaços para a cadeira, a distância entre o olho do trabalhador e a tela, o tamanho do monitor, o teclado,

a posição do indivíduo no computador e para a escrita manual. O cadeirante também precisa de espaço para movimentação, possibilitando giro da cadeira em

sua mesa e também nos corredores.

Trabalhando na Serasa Experian como executivo de vendas, José Braga [foto acima], conta com mesa adaptada e uma série de adequações nos acessos à sede

da empresa em São Paulo. As adaptações não representam privilégios. Assim como seus colegas, Braga tem metas de vendas a cumprir e também percorre a capital

visitando clientes. São pelo menos 17 visitas mensais com ajuda de um veículo adaptado. "Sempre trabalhei na rua. E hoje estou adaptado. Mas é preciso

muito planejamento. Pensar se tem escada ou elevador, onde vai estacionar. Mas nunca deixei de visitar um só cliente", diz

Para os não cadeirantes, também vale atenção para que ele tenha um local para deixar sua muleta, sem precisar pedir ajuda de alguém para levantar ou para

pegar sua ferramenta.

LIMITAÇÕES

Mesmo as deficiências físicas leves exigem cuidados. Toda limitação deve ser avaliada no planejamento da produção, o que, principalmente na indústria,

pode exigir um menor volume de trabalho do profissional para prevenir acidentes.

No caso das máquinas industriais, Jacinta admite que, em alguns casos, não é possível fazer a adequação. Algumas funções, por exemplo, exigem a operação

com dois braços, inviabilizando a atuação com uma pessoa que só tenha um braço. Não só pela questão operacional, mas também pela segurança.

Jacínta também defende que deficientes físicos sejam colocados em mais de uma atividade, uma vez que, conforme a característica da limitação pode haver

uma maior probabilidade de ocorrências de LER (Lesão por Esforço Repetitivo ) e DORT (Distúrbio Ósteomuscular Relacionado ao Trabalho).

Outro desafio da adequação diz respeito aos sistemas de segurança contra incêndio, alarmes e rotas de fuga. Leia o box, Planejando para a emergência [abaixo].

É preciso sinais visuais para surdos e um plano especial para pessoas com deficiência física, especialmente os cadeirantes. É necessário determinar quem

ajudará o trabalhador, se necessário, na hora da fuga e nas escadas (uma vez que elevadores não podem ser utilizados em caso de incêndio). Há empresas,

como a Serasa Experian, que disponibilizam cadeiras especiais para emergências, que podem descer escadas com segurança.

PLANEJANDO A EMERGÊNCIA

O que deve ser levado em conta na adaptação de sistemas e planos de fuga para empregados:

Com deficiência fisica:

O plano de abandono de área deve considear que pessoas com deficiência física têm mobilidade reduzida. Deve se avaliar a acessibilidade das rotas de fuga

e promover o treinamento da brigada de incêndio, ou outro empregado treinado, especialmente designado para auxiliar e acompanhar a saída dos empregados

com deficiência física.

Com deficiência visual:

Em caso de abandono de área deve haver membro da brigada de incêncio, ou outro empregado treinado, especialmente designado para acompanhar os empregados

com deficiência visual. Este treinamento deve ser simulado anteriormente.

Com deficiência auditiva:

As sinalizações de sinistro, quando sonoras, devem ser acompanhadas de sinais luminosos. Deve-se certificar que os procedimentos tenham sido compreendidos.


Com deficiência intelectual ou mental:

Deve haver membro de brigada de incêndio ou outro empregado treinado, especialmente designado para acompanhar os empregados com deficiência intelectual

ou mental. Simulações específicas devem ser realizadas com estes empregados.

Fonte: Rafael Faria Giguer - auditor fiscal do trabalho do Núcleo Igualdade no Trabalho da SRTE/RS

LINGUAGEM

O médico do Trabalho Paulo Antonio Barros Oliveira, secretário-geral da Abergo (Associação Brasileira de Ergonomia), lembra que não apenas avisos de emergência,

mas placas com indicações de segurança precisam ser adequadas em seu formato e linguagem, se necessário, para pessoas com deficiência mental que estejam

atuando na organização.

A forma como as ordens e orientações são passadas pelos chefes também devem ser analisadas, de acordo com Oliveira. "O encarregado tem de ser treinado

para dar abordagem diferenciada, adaptada à diferença do trabalhador", adverte.

Para contribuir com esse processo, o auditor Rafael Guiguer sugere que a pessoa com deficiência intelectual tenha um colega de referência, que deve ser

capacitado para auxiliar o trabalhador no treinamento continuado em suas atívidades no posto de trabalho, bem como nas demais atívidades na empresa.

O cuidado com todos os aspectos ligados à inclusão é uma característica presente nas iniciativas bem sucedidas de contratação de PCDs. Afinal, o planejamento

correto previne acidentes, garante um bom ambiente de trabalho para a pessoa com deficiência e, principalmente, assegura que o contratado realmente contribua

para a atívidade da empresa, independente da sua deficiência.

INDÚSTRIA

Um exemplo disso é a indústria metalúrgica Corneta, de Osasco/SP. A empresa emprega um total de 22 PCDs, sendo cinco com deficiência mental, admitidos

a partir de convênio com a APAE local. A empresa decidiu dar oportunidades para eles na área de controle de qualidade obtendo excelentes resultados. Antonio

Carlos Bento de Souza, presidente da Corneta, explica que essas PCDs atuam na inspeção visual de componentes de câmbio e de motor de veículos [foto acima].

Depois de um treinamento rigoroso, eles aprendem a examinar as peças que saem da linha de produção, confirmando ou não a sua qualidade. "Não temos ocorrência

de problemas que eles tenham deixado passar. Eles têm um poder de concentração muito grande", diz Bento. Um desses trabalhadores é o auxiliar de inspeção

Edson Nascimento, que há oito anos atua na organização. "O ambiente é muito bom. O pessoal me trata bem e entende minha dificuldade", conta.

Desafios pela frente

A informação é uma das principais armas para acelerar a inclusão

O ano de 2013 começou com grande expectativa sobre as possibilidades de avanços na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Em agosto,

a IN 98 completará um ano, portanto, serão 12 meses de atuação da fiscalização do Ministério do Trabalho sob orientação do novo regramento. Além disso,

é o Ano Iberoamerícano para a Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, conforme declaração anunciada durante a 22a Cúpula Iberoamericana

realizada em novembro do ano passado, na Espanha.

A escolha do tema no encontro de chefes de Governo e de Estado da Pensínsula Ibérica e da América Latina jogou luzes sobre os desafios da inclusão no mercado

de trabalho brasileiro. O documento oficial do encontro destaca que o Relatório Mundial sobre a Deficiência, da Organização Mundial da Saúde (2011) estima

que 15% da população mundial tenham algum tipo de deficiência. Isto significa um bilhão de pessoas com deficiência rio mundo, sendo 90 milhões na região

iberoamericana. A declaração também afirma que 80% das pessoas com deficiência em idade de trabalho estão desempregadas por falta de acessibilidade ou

de conscíentização do setor privado sobre o seu potencial profissional.

CONHECIMENTO

Para que a visibilidade trazida pela medida diplomática seja convertida em mais empregos para as PCDs, o Brasil ainda tem uma série de desafios a serem

superados no aprimoramento da fiscalização, na transformação da cultura das empresas e na capacitação das PGDs.

Para o diretor do Espaço da Cidadania, Carlos Aparício Clemente, a informação é uma das principais armas para acelerar a inclusão, tanto para as empresas

quanto para as pessoas com deficiência. As empresas precisam ter mais informações sobre a lei, o processo de adaptação e o potencial que as pessoas têm

para desenvolver suas atividades sem qualquer prejuízo em relação ao trabalho de colaboradores sem deficiência.

Já entre os trabalhadores deve haver, na sua avaliação, um maior conhecimento sobre a existência e o teor da Lei de Cotas. "Hoje essa lei é muito mais

conhecida do que era há pouco tempo. Mas é importante divulgar da maneira mais ampla possível. Afinal, é uma obrigação legal, não responsabilidade social

ou benemerência", reforça José Carlos do Carmo, do MTE.

O governo federal tem a tarefa de fazer de fato sair do papel o Programa Viver Sem Limites, anunciado em 2011 pela presidente Dilma Rouseff, com a promessa

de investir R$ 7 bilhões em projetos para beneficiar a inclusão. Apesar do anúncio, o governo ainda deve às PCDs um reforço na fiscalização do Ministério

do Trabalho, que serve tanto para a Lei de Cotas quanto para a garantia dos demais direitos dos trabalhadores brasileiros. Segundo Fernanda Maria Pessoa

dl Cavalcanti, coordenadora nacional do Projeto de Inserção de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, hoje há 2,9 mil auditores. Há previsão de

concurso para 160 vagas, que mal seriara suficientes para cobrir as aposentadorias. "Deveríamos ter o dobro do que temos hoje", calcula.

QUALIDADE

Além do reforço na equipe, Clemente aponta a necessidade da verificação da Lei de Cotas pela fiscalização de campo, em vez da mera checagem de papéis,

capaz apenas de confirmar o cumprimento quantitativo das Cotas, mas insuficiente para examinar a qualidade da inclusão. "O MTE tem de obrigar o auditor

a perguntar sempre se tem gente com deficiência trabalhando. E, se tiver, ver se tem condições de trabalho, ver que documentação a CIPA tem sobre essa

inclusão. Também olhar o PPRA e o PCMSO, se foi feito um plano de inclusão ou se a pessoa foi só jogada ali", completa.

Outro problema ligado à inclusão é a obtenção de estatísticas oficiais sobre a presença desses profissionais no mercado de trabalho. Hoje, a fonte mais

confiável e abrangente é a RAIS, do MTE. Os dados são levantados a partir da declaração obrigatória das empresas. Mas ainda há problemas com o correto

preenchimento dos dados, inclusive no setor público.

Quem também tem um longo caminho a cumprir são os programas e instituições de capacitação, principalmente as do Sistema S, que possuem um trabalho tão

complexo quanto o dos próprios empregadores na adaptação de seus espaços para cursos. O Senai/SP vem adotando uma fórmula para dar maior eficiência aos

treinamentos.

A instituição, que desde 1999 mantém o Programa Senai de Ações Inclusivas, designou por meio do Programa Incluir, instituído em 2011, um profissional ein

cada uma de suas 90 unidades no Estado para cuidar da inclusão de PCDs em seus cursos. Chamados de interlocutores, eles são capacitados para conduzir a

adequação das aulas às características de cada pessoa com deficiência matriculada, adotando as providências necessárias.

Para a capacitação de PCDs, a adaptação de equipamentos e cursos é feita de maneira individual. Cada vez que uma pessoa com deficiência procura o Senai

paulista para se inscrever num curso, inicia-se ura processo de análise das deficiências do aluno para identificar o que é preciso modificar na aula e

nos equipamentos empregados. "Se a pessoa com deficiência vem para os nossos cursos, a gente promove a acessibilidade de que ela precisa", diz Sandra Rodrigues

Silva Chang, professora especialista em Educação do Senai/SP, que teve seis mil matrículas de PCDs entre janeiro e novembro de 2012.

O alerta levantado pelo Ano Iberoamericano é mais um sinal de que os problemas expostos discretamente nas tabelas do IBGE e MTE e na rotina particular

das PCDs precisam figurar entre as principais preocupações da sociedade: dos governos às empresas. É com o devido conhecimento do que precisa ser feito

e do potencial de trabalho das pessoas com deficiência que se pode abrir o caminho para que cada empresa faça sua parte. E que assim ela promova a boa

inclusão, com o necessário apoio dos órgãos de fiscalização, na orientação sobre as adequações necessárias, e das instituições de capacitação, na preparação

das PCDs para o trabalho.
POLÍTICAS INTERNACIONAIS DE INCENTIVO AO TRABALHO DAS PCDs

PORTUGAL: o art. 28 da Lei n° 38/04, estabelece a cota de até 2% de trabalhadores com deficiência para a iniciativa privada e de, no mínimo, 5% para a

administração pública.

ESPANHA: a Lei n° 66/97 ratificou o art. 4° do Decreto Real n° 1.451/83, que assegura o percentual mínimo de 2% para as empresas com mais de 50 trabalhadores

fixos. Já a Lei n° 63/97 concede uma gama de incentivos fiscais, com a redução de 50% das cotas patrimoniais da seguridade social.

FRANÇA: o Código de Trabalho, em seu art. L323-1, reserva 6% dos postos de trabalho em empresas com mais de 20 empregados.

ITÁLIA: a Lei n° 68/99, no seu art. 3°, estabelece que os empregadores públicos e privados devam contratar pessoas com deficiência na proporção de 7% de

seus trabalhadores, no caso de empresas com mais de 50 empregados; duas pessoas com deficiência, em empresas com 36 a 50 trabalhadores, e uma pessoa com

deficiência, se a empresa possuir entre 15 e 35 trabalhadores.

ALEMANHA: a lei alemã estabelece para empresas com mais de 16 empregados uma cota de 6%, incentivando uma contribuição empresarial para um fundo de formação

de profissionais de pessoas com deficiência.

ÁUSTRIA: a lei federal reserva 4% das vagas para trabalhadores com deficiência nas empresas que tenham mais de 25, ou admite a contribuição para um fundo

de formação profissional.

HOLANDA: o percentual varia de 3% a 7%, sendo este firmado por negociação coletiva, dependendo do ramo de atuação e do tamanho da empresa.

ARGENTINA: a Lei n° 25.687/98 estabelece um percentual de, no mínimo, 4% para a contratação de servidores públicos. Ainda há incentivos para que as empresas

privadas também contratem pessoas com deficiência.

COLÔMBIA: a Lei n° 361/97 concede benefícios de isenções de tributos nacionais e taxas de importação para as empresas que tenham, no mínimo, 10% de seus

trabalhadores com deficiência.

URUGUAI: a Lei n° 16.095 estabelece, em seu art. 42, que 4% dos cargos vagos na esfera pública deverão ser preenchidos por pessoas com deficiência e, no

art. 43, para a concessão de bens ou serviços públicos a particulares, que estes contratem pessoas com deficiência, mas não estabelece qualquer percentual.


JAPÃO: a Lei de Promoção do Emprego para Portadores de Deficiência, de 1998, fixa o percentual de 1,8% para as empresas com mais de 56 empregados, havendo

um fundo mantido por contribuições das empresas que não cumprem a cota, fundo este que também custeia as empresas que a preenchem.

CHINA: a cota oscila de 1,5% a 2%, dependendo da regulamentação de cada município.
Fonte: Cartilha A Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. Secretaria de Fiscalização do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho

e Emprego.

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Reportagem de João Guedes

João Guedes

Participar do processo de inclusão de pessoas com deficiência não significa apenas contratar colaboradores conforme prevê a legislação

Mais de duas décadas depois da publicação da Lei de Cotas, em 1991, os trabalhadores com deficiência ainda precisam vencer o desrespeito à legislação,

a fiscalização insuficiente e a resistência cultural dos empregadores para conquistar novas oportunidades no mercado de trabalho brasileiro. Para inverter

o jogo, o Ministério do Trabalho orienta seus auditores ern todo o país e traça metas anuais de inclusão, mas o dia a dia das organizações mostra que a

qualidade de vida no trabalho das pessoas com deficiência (PCD) não depende apenas da mera admissão de colaboradores conforme o número mínimo previsto

na legislação.

É preciso conscientizar empresários, gestores e colegas de equipe das PCDs sobre a importância da oferta de emprego a esses profissionais e sobre o potencial

que eles têm em dar o retomo desejado em todos os ramos de atividade econômica. Também é importante a mobilização do empresariado, setor público e Sistema

S (Sesc, Sesi, Senai e Senac) no incentivo a iniciativas de capacitação que possam contribuir para a ampliação da empregabilidade de quem tem algum tipo

de deficiência.

Além da abertura de novos postos, também deve ser adotado um afinado trabalho multidisciplinar de preparação e adaptação de equipamentos e espaços laborais.

Ergonomistas, médicos, psicólogos e técnicos em segurança, entre outros, têm o papel de pensar toda a adequação das edificações, móveis, softwares, práticas

internas, fluxo de informação e sistemas de segurança para garantir um processo bem sucedido de incorporação desses trabalhadores no mundo do trabalho.


Empregada como webdesigner na divisão brasileira de uma multinacional em São Paulo, a deficiente auditiva Maria Rita Ribeiro de Oliveira (foto acima),

30 anos, vive uma realidade ainda distante da maioria das pessoas com deficiência (PCD) no Brasil. Responsável pela criação e alteração de banners e newsletters

enviadas por e-mail, ela é uma das 92 PCDs que atuam nas unidades da Serasa Experian no país.

Capacitada em um curso do Programa de Empregabilidade da organização, ela conta com um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para acompanhar

reuniões e palestras. De resto, não tem diferença em sua rotina se comparada a qualquer colega sem problemas físicos confirmando, na prática, a condição

da companhia como um dos ainda raros bons exemplos brasileiros de inclusão de PCD e de respeito à Lei 8.213/1991, que em seu artigo 93 prevê sobre a contratação

de portadores de necessidades especiais, a chamada Lei de Cotas.

A lei diz que todas as empresas a partir de 100 funcionários devem ter pelo menos 2% de seu quadro de pessoal formado por pessoas com deficiência. A participação

máxima chega até 596, conforme o tamanho da companhia. Veja o quadro O que diz a Lei de Cotas [Mais adiante]. A regra é simples, mas, na prática, de difícil

assimilação pela cultura das muitas empresas que ou desconhecem a lei ou simplesmente optam por descumprí-la.

A dificuldade em fazer a lei emplacar de vez, mesmo depois de duas décadas, é atestada pelos números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

e do Ministério do Trabalho. O Censo 2010 indica que o País tem 42 milhões de pessoas com deficiência com 15 anos ou mais. Desse total, apenas 306 mil

tinham empregos formais em 2010, de acordo com dados da RAIS. O número equivale a apenas 32% das 937 mil vagas que deveriam estar preenchidas caso fossem

criados apenas os postos de trabalho suficientes para o cumprimento da Lei nas empresas brasileiras com 100 empregados ou mais. A estimativa é do Espaço

da Cidadania, órgão criado em 2001 com o objetivo de estimular o debate sobre políticas públicas voltadas para a igualdade de oportunidades, em especial,

questões relacionadas à inclusão social das pessoas com deficiência.

MÃO DE OBRA

Mas por que, depois de mais de 20 anos, boa parte das empresas ainda não cumpre a Lei de Cotas? Para Carlos Aparício Clemente, diretor e fundador do Espaço

da Cidadania, a resposta está na cultura das empresas. A maior parte das que cumprem a lei só passou a fazê-lo quando o MTE iniciou a fiscalização das

cotas, 12 anos depois de sua publicação. "A primeira multa (por não cumprimento das cotas) ocorreu em março de 2003. Até então, a lei estava apenas no

papel", conta Clemente.

Na época, de acordo com Clemente, o órgão fez suas primeiras ações de orientação aos seus fiscais sobre como fiscalizar a Lei. A partir de então, o Ministério

passou a intensificar sua atuação, especialmente no Estado de São Paulo, dando início a uma guerra de versões sobre a viabilidade de se cumprir a legislação.

De um lado, as empresas punidas justificavam que não há pessoas com deficiência o suficiente para ocupar os postos de trabalho abertos pela legislação.

De outro, a fiscalização e entidades de apoio aos portadores de deficiência sustentavam que há mão de obra de sobra para preencher as vagas. "Esses eram

os grandes argumentos que ouvíamos em 2001. As empresas diziam que tinham vagas, mas não tinham pessoas. Naquele momento, seriam abertos 520 mil postos

se a lei fosse totalmente cumprida. E os dados do Censo 2000 mostravam que 14,5% da população era formada por portadores de deficiência. Tínhamos 15 milhões

de pessoas em idade de trabalho, entre 15 e 59 anos", recorda Clemente.

Essa disponibilidade de mão de obra foi referendada uma década depois, com o Censo 2010. O levantamento usou novos critérios para a identificação das pessoas

com deficiência, mostrando que 23,9% da população é de PCDs, somando mais de 45 milhões de pessoas.

PREPARO

Outra alegação comum na hora de justificar a não contratação de pessoas com deficiência era de que essas pessoas não estariam preparadas para o mercado

de trabalho. Mas o mesmo Censo de 2000 mostrava que as pessoas com deficiência tinham médias de escolaridade semelhantes às das pessoas sem deficiência.

Até porque, na maior parte dos casos, a deficiência sequer interfere na vida escolar. "O Censo mostrou que 86,5% das pessoas com deficiência passou a ter

o problema depois dos 20 anos. Ou seja, o problema pega a pessoa com a escolaridade, conhecimento e cultura que ela já tinha", observa Clemente.

Em 2010, o levantamento do IBGE voltou a contrariar a tese de que falta capacitação e escolaridade das PCDs. As pessoas com ensino médio completo e ensino

superior representam 24,2% dos brasileiros com deficiência acima de 15 anos. Ou seja, um exército de reserva de mais de 10 milhões de pessoas abertas ao

mercado de trabalho, número 10 vezes superior ao número de vagas que deviam ser abertas para o total cumprimento das cotas. Apesar de tanta gente disponível,

as empresas brasileiras ainda estão distantes do total cumprimento da lei. De acordo com levantamento do Espaço da Cidadania, a média de atendimento à

exigência legal era de apenas 27,4% em dezembro de 2011.

APRENDIZADO

Com os números mostrando que a maior parte das empresas está pouco propensa a contratar os PCDs, resta ao Ministério do Trabalho o papel de funcionar como

principal motor da expansão da presença destas pessoas nos escritórios e linhas de produção brasileiros. Isso porque, em muitos casos, são as notificações

e autuações dos fiscais que levam as organizações a iniciaram seus programas de inclusão. É comum, inclusive, que a punição de uma empresa sirva de exemplo

a outras de um mesmo setor ou região, criando áreas de maior desenvolvimento da inclusão.

É o que acontece na região de Osasco, em São Paulo. Palco das primeiras ações sistemáticas de fiscalização da Lei de Cotas, em 2003. apresenta números

animadores de inclusão, especialmente na indústria metalúrgica. Na região, o setor apresentava 82,4% de cumprimento da lei até o final do ano passado (considerando

104 empresas pesquisadas em levantamento do Espaço da Cidadania). Alguns segmentos apresentam índices acima de 100%, ou seja, contratam PCDs em número

superior ao exigido pela lei. "Os empresários fiscalizados passaram a contratar (pessoas com deficiência) e hoje têm orgulho dessa situação", acrescenta

Clemente, comentando os resultados obtidos a partir do trabalho do Projeto de Inclusão da Pessoa com Deficiência, fruto de parceria entra a Gerência Regional

do Trabalho e Emprego de Osasco e Região e o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região.

O tempo e a experiência venceram as resistências iniciais dos donos das fábricas metalúrgicas de Osasco e cidades próximas. Para Clemente, eles aprenderam

que o mais importante é a contratação da pessoa certa para uma determinada função, garantindo um bom desempenho e o resultado operacional esperado.

NOVA ETAPA

Fundamental para a garantia dos direitos dos trabalhadores com deficiência, a fiscalização do Ministério do Trabalho sobre a Lei de Cotas foi reforçada

em 2012 com a publicação de uma Instrução Normativa do órgão, a IN 98, que reduziu dúvidas dos fiscais sobre a lei. Confira o quadro Principais mudanças

trazidas pela IN 98.

PRINCIPAIS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA IN 98

Em agosto do ano passado o MTE publicou a Instrução Normativa n° 98 para reforçar a Fiscalização do Trabalho sobre a importância do cumprimento mais qualificado

da Lei de Cotas. Assim, ficou evidente:

Nova caracterização da condição de pessoa com deficiência, com base nos parâmetros biopsicossociais da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.


Promoção da qualificação e inclusão nas empresas de empregados com deficiência a partir de cursos de aprendizagem profissional.
Ficalização de PPRA, PCMSO e acessibilidade para verificar se são contempladas medidas que considerem as especificidades dos empregados com deficiência.


Fiscalização das cotas atenta à inibição de práticas discriminatórias.
Fiscalização de concursos públicos.
Fonte: Rafael Faria Giguer - auditor fiscal do trabalho do Núcleo Igualdade no Trabalho da SRTE/RS

Não foi a primeira vez que o MTE publicou uma Instrução Normativa sobre as cotas, corno observa José Carlos do Carmo, médico, auditor fiscal do Trabalho

e coordenador do Programa de Inclusão da Pessoa com Deficiência do Ministério do Trabalho no Estado de São Paulo. Em 2001, a IN 20 trouxe os primeiros

esclarecimentos. O principal deles era a reafirmação de que era mesmo competência dos fiscais do Ministério a verificação do cumprimento da Lei. Havia

uma dúvida em relação a essa atribuição, urna vez que as regras relativas às cotas são descritas em artigos da legislação previdenciária. "A IN 20 deu

os primeiros esclarecimentos. Agora, a IN 98 foi publicada num momento em que temos novos referenciais e paradigmas nesta questão de inclusão. Vai além

do que está sendo colocado de maneira simples na lei, apontando como objeto da fiscalização, a questão da qualidade na inclusão", diz.

O QUE DIZ A LEI DE COTAS (LEI N° 8.213/1991 - ARTIGO 93)
Obriga que as empresas com 100 ou mais empregados preencham parte de seus cargos com pessoas com deficiência.
A quantidade mínima de colaboradores PCDs varia conforme o número geral de empregados na organização:
Funcionários Cota de PCDs
de 100 a 200 2%
de 201 a 500 3%
de 501 a 1.000 4%
a partir de 1,001 5%
Fonte: Cartilha A Inclusão das Pessoas com deficiênda no Mercado de Trabalho. Secretaria de Fiscalização do Tiabalho (SIT) do Ministério do Trabaiho e

Emprego

Além de verificar o cumprimento da cota, os fiscais devem ficar atentos também a aspectos como a atenção às particularidades das pessoas com deficiência

nos PCMSOs (Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e PPRAs (Programas de Prevenção de Riscos Ambientais). Também devem checar se as CIPAs (Comissões

Internas de Prevenção de Acidentes) estão realizando o acompanhamento - registrado em ata - do processo de inclusão.

Ao ampliar a orientação aos auditores fiscais, a IN 98 abriu uma nova etapa na história da fiscalização da Lei de Cotas, que passou seus 10 primeiros anos

de existência restrita ao texto legal e longe da realidade. A história começou a mudar com a publicação do Decreto 3.298, em 1999 (que regulamentou a Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), que confirmou a competência do Ministério do Trabalho para a fiscalização e detonou as

primeiras ações, ainda vinculadas diretamente ao gabinete do Ministro. Somente com a IN 20, dois anos depois, é que a questão começou a chegar aos fiscais

nos Estados. Desse primeiro período não há dados compilados sobre essa fiscalização, segundo Fernanda Maria Pessoa di Cavalcanti, coordenadora nacional

do Projeto de Inserção de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. O órgão passou a sistematizar a coleta de dados a partir de 2005 e, apenas em

2008, a questão da inclusão começou a figurar com maior vigor na agenda de trabalho das auditorias, com a inclusão de metas de contratação de PCDs no PPA

(Plano Prurianual), do governo federal.

RESPONSABILIDADE

Em 2009, outra mudança importante, com a modificação da estratégia de fiscalização. Em vez de ações específicas, as unidades estaduais do Ministério passaram

a trabalhar com projetos de fiscalização. No caso da Lei de Cotas, isso significa que para cada Estado há uma estratégia de fiscalização adequada à realidade

local.

Segundo Fernanda, cada unidade tem uma meta, conforme o número de empresas com mais de 100 empregados no Estado. As superintendências têm sua cota de responsabilidade

para o cumprimento do objetivo estabelecido no PPA 2012-2015 de promover a inclusão de 160 mil pessoas a partir de ações diretas da fiscalização. Confira

mais sobre Estimativa e cumprimento da Lei de Cotas por Estado na edição deste mês em
www.protecao.com.br.
Em 2012, o plano de incluir 35 mil trabalhadores
foi cumprido, de acordo com ela: "foram 35,4 mil contratações em todo o Brasil", diz. Para este ano, o volume de contratações previsto no plano é de 40

mil pessoas.

Nesse processo, a IN 98 figura como uma importante aliada na disseminação da inclusão no Brasil, uma vez que, segundo Fernanda, a instrução também padroniza

a atuação e leva orientações aos fiscais que ainda não tinham se aprofundado na questão da presença dos trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho.

"Mas o objetivo maior da fiscalização é de que esse número diminua e que a gente precise fazer menos esforço, que a cota seja cada vez mais cumprida",

pondera.

Além da atuação do órgão, Fernanda também assinala outras alterações na legislação que deram força ao processo de inclusão de trabalhadores no Brasil.

Uma delas foi a alteração da Lei de Aprendizagem, em 2005, que excluiu a limitação de idade para o trabalhador com deficiência atuar como aprendiz. Além

disso, as pessoas com deficiência passaram a poder acumular os vencimentos do Benefício de Prestação Continuada com os rendimentos de trabalhador aprendiz.


A aprendizagem é, na opinião da coordenadora nacional, uma das principais ferramentas disponíveis para a promoção da integração das PCDs nas empresas,

especialmente aquelas que têm baixa qualificação e pouca escolaridade. "São pessoas que já tiveram a barreira do acesso à educação. Muitas nunca trabalharam

ou saíram de casa. Com a aprendizagem, a pessoa também enxerga o mercado de trabalho e se percebe como alguém útil", diz.

Erros e acertos

Sucesso na contratação inclui tratamento equânime da chefia

Aos 23 anos, a auxiliar administrativa Janaína Santos [foto acima] não esconde orgulho ao elencar o conjunto de suas atribuições no emprego conquistado

há cinco meses na unidade de Itapecerica da Serra/SP da indústria farmacêutica Boehringer Ingelheim do Brasil. Atuando na área de recrutamento e seleção,

ela já toca sozinha projetos da empresa, com o mesmo nível de cobrança e de responsabilidade imposto às pessoas sem deficiência.

É esse tratamento igualitário quanto à expectativa de desempenho um dos pontos decisivos apontados por especialistas para que um processo de inclusão seja

bem sucedido. A ideia é de que a PCD receba tratamento diferenciado quanto à estrutura física de seu espaço e condições de trabalho, justamente o necessário

para compensar a deficiência. A partir disso, o cenário ideal é aquele em que a pessoa encara, sempre que possível, demandas equivalentes a dos seus colegas,

sem estabelecer uma situação de privilégio na comparação com os demais integrantes do setor. "Há uma visão de que um portador de deficiência não é capaz

de muita coisa", afirma Janaína, que tem nanismo e conta com apoio especial para os pés em sua mesa de trabalho.

Ela é uma das 55 pessoas com deficiência que atuam na empresa, segunda Priscila Matos, consultora de Recursos Humanos da Boehringer Ingelheim do Brasil,

que também oferece programas de capacitação para que as PCDs possam se desenvolver e galgar novos postos na organização.

CONSCIENTIZAÇÃO

Se o sucesso do processo de inclusão depende de um tratamento equânime por parte do chefe imediato na hora de fixar a carga de tarefas e cobrar resultados,

muitas vezes, a organização precisa realizar um trabalho especial de conscientização de seus gestores, segundo Thiago Pinheiro Marques, sócio diretor da

Consultoria Sem Barreiras. Para ele, é preciso treinar os chefes imediatos que vão receber as PCDs em suas equipes. "Muitos imaginam, por exemplo, que

a pessoa com deficiência não pode ser demitida. Mas o que os gestores precisam aprender é que a empresa não está fazendo assistencialismo, e, sim, contratando

profissionais. A pessoa que tem deficiência tem de cumprir o mesmo horário, por exemplo. Inclusão é a equalização das pessoas", diz.

Muitas vezes, de acordo com Marques, o gestor imediato pode ser uma importante fonte de problemas para a inclusão de uma PCD. Sem a cultura da integração,

ele pode se imaginar injustiçado, pensando que a empresa, cobra resultados, mas manda um ''deficiente' para sua equipe. "Há casos em que o gestor não está

preparado e, no dia a dia, não favorece o desenvolvimento dessa pessoa porque foi obrigado a recebê-la. Já o colaborador com deficiência, por sua vez,

não vê no gestor a referência positiva e acaba se isolando", relata.

EQUÍVOCOS

Para que eventuais resistências culturais ao trabalho das pessoas com deficiência não minem um programa de inclusão é fundamental, segundo Carlos Aparício

Clemente, do Espaço da Cidadania, que a contratação das PCDs seja uma decisão firme da direção da empresa. "É importante a direção tomar as rédeas e mostrar

que quer fazer a inclusão", argumenta o diretor da entidade.

Mas mesmo quando a diretoria está disposta a bancar um processo deste tipo as empresas não estão livres de cometer erros frequentes na hora de admitir

uma PCD. Um destes equívocos, de acordo com Marques, é a fixação de jornadas de trabalho ou remuneração diferentes das oferecidas aos demais funcionários,

o que funciona como mais um elemento de distanciamento entre as pessoas com deficiência e os parceiros de equipe. "Não pode ter discriminação salarial.

Se faz uma determinada atividade, tem de ganhar um salário compatível", diz.

Outro erro cometido por empresas na ânsia de cumprir a cota é a inversão do processo no recrutamento. O correto seria que todas as vagas abertas estivessem

disponíveis para que pessoas com ou sem deficiência se candidatassem. E, quando uma PCD fosse selecionada, é que se deveria pensar na adaptação ergonômica

e de acessibilidade necessárias. No entanto, há organizações que identificam em seus fluxos de produção postos que podem ser ocupados por pessoas com deficiência

e, a partir disso, buscam PCDs especificamente para determinadas funções.

Clemente também destaca como falha a discriminação por deficiência que se dá pela preferência a um ou outro tipo de problema físico na hora de selecionar.

Assim, algumas companhias acabam centrando suas contratações em deficientes visuais ou auditivos. Ou preferem deficientes físicos leves, que têm poucas

necessidades de adaptação.

Por isso, atesta Clemente, os deficientes físicos lideram a lista de empregados, seguidos pelos auditivos, reabilitados e deficientes visuais (cuja minoria

é composta de pessoas totalmente cegas). Por último, aparecem os deficientes mentais e as deficiências múltiplas, cujos trabalhadores são os que mais têm

dificuldade em conseguir uma colocação. Veja o quadro Perfil dos brasileiros com deficiência.

PERFIL DOS BRASILEIROS COM DEFICIÊNCIA

População total: 190.755.799
Pessoas com pelo menos uma deficiência (entre as investigadas pelo Censo do IBGE): 45.606.048
Percentual de brasileiros com deficiência: 23,9%
Distribuição por tipo de deficiência:
Visual
- Não consegue ver de modo algum: 506.377
- Grande dificuldade: 6.056.533
- Alguma dificuldade: 29.211.482
Auditiva
- Não consegue ouvir de modo algum: 344.206
- Grande dificuldade: 1.798.697
- Alguma dificuldade: 7.574.145
Motora
- Não consegue de modo algum: 734.421
- Grande dificuldade: 3.698.929
- Alguma dificuldade: 8.832.249
Mental/intelectual: 2.611.536
Nível de instrução das pessoas com deficiência com 15 anos oumais no Brasil
- Sem instrução e Fundamental incompleto: 25.766.944 (61,1%)
- Fundamental completo e Médio incompleto: 5.967.894 (14,1%)
- Médio completo e Superior incompleto: 7.447.983 (7,7%)
- Superior completo: 2.808.878 (6,7%)
- Não determinado: 154.947 (0,4%)
- Total: 42.146.646 (100%)
Fonte: Censo 2010 - IBGE/Espaço da Cidadania

MÃO DUPLA

Sobram aspectos a serem observados na condução de um plano de inclusão. Mas, para José Carlos do Carmo, trata-se de um trabalho que vale a pena. "Há empresas

que souberam encontrar pessoas com capacidade, melhorando a produtividade e o ambiente de trabalho. Há relatos de situações em que a presença das pessoas

ajuda a humanizar os ambientes, resgatando a solidariedade entre os trabalhadores", acrescenta.

Resultados como esses são perseguidos por iniciativas como a da Serasa Experian, que há 11 anos iniciou um programa de contratação de PCDs e hoje conta

com 92 trabalhadores nessa condição, sendo 26 deficientes auditivos e 22 deficientes visuais.

João Ribas, coordenador de Diversidade e Inclusão da companhia, salienta que a inclusão deve ser um caminho de mão dupla. A empresa deve estar aberta a

receber estes trabalhadores e disposta a investir o que for necessário para adaptar seus espaços. E o trabalhador precisa estar comprometido com o desempenho

de seu trabalho e o retorno à empresa. "A Lei assegura maior oportunidade a uma parcela da sociedade, é um dispositivo coletivo. Não garante que ninguém

tenha emprego. Se for preciso demitir, a empresa só estará obrigada a contratar uma nova pessoa com deficiência", conta.

O executivo, que é cadeirante, acrescenta que a integração das PCDs no ambiente de trabalho também depende de um tipo de capacitação que vai além da mera

preparação dos trabalhadores para suas funções. Cursos de libras para os colegas dos deficientes auditivos são importantes para uma inclusão mais eficiente.

Também são indicados cursos de português para quem tem esse tipo deficiência. Isso porque a 'língua materna' deles é a libras, o que pode trazer dificuldade

na hora de redigir relatórios e e-mails de trabalho.

REDE

À frente de um programa que teve início em 2001, Ribas reforça a ideia de que o apoio da alta direção à contratação das PCDs é decisivo em qualquer organização.

É importante que, mesmo o gerente contrário à presença de pessoas com deficiência saiba que se trata de uma política da empresa que precisa se acatada.


Mas não se trata, segundo ele, de promover uma cruzada pela inclusão. É preciso levar informação e sensibilizar os gestores sobre a importância da medida

e de pequenos gestos. "Não pode estar do lado do surdo e simplesmente mandar um e-rnail, sem fazer esforço de comunicação. Não dar bom dia. Aí, a pessoa

(com deficiência) se sente mal e sai. Mas o trabalhador, por sua vez, também precisa entender que as pessoas não têm obrigação de saber coisas a seu respeito.

É preciso dar abertura, sem ser uma pessoa revoltada que quer privilégios em vez de direitos", comenta.

Para todos

Acessibilidade e ergonomia são a base na hora de adaptar

Adaptar acessos, espaços de trabalho, equipamentos e soffcwares é uma das principais preocupações vinculadas à inclusão das PCDs no mercado de trabalho.

Trata-se de um desafio para as organizações que precisam fazer adequações em meio à complexa diversidade de deficiências existentes e à falta de regras

de acessibilidade e ergonomia específicas para adequação de ambientes de trabalho.

Sem normatizações voltadas para saúde e segurança dos profissionais com deficiência, resta às empresas a alternativa de combinar os preceitos previstos

em outras normas, como explica Jacinta Renner, fisioterapeuta ergonomista e coordenadora do programa de mestrado e doutorado em diversidade e inclusão

da Feevale, em Novo Hamburgo/RS.

A base empregada na hora de pensar adaptação de uma empresa e de postos de trabalho é a observação da NBR 9050 que trata sobre acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos - e da Norma Regulamentadora 17, sobre ergonomia no trabalho. Também deve ser considerada, principalmente no

caso das indústrias, a NR 12 que orienta a respeito da utilização de máquinas e equipamentos do ponto de vista da segurança. "Também é preciso observar

os princípios de ergonomia e da acessibilidade universal", completa Jacinta.

Rafael Faria Giguer, auditor fiscal do trabalho do Núcleo Igualdade no Trabalho da SRTE/RS, acrescenta que também devem ser considerados a NR 7 (Programa

de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e a NR 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e o Artigo 11 do Decreto 5.296, que trata sobre acessibilidade

na construção, reforma ou amplicação de edificações.

AJUSTES

O profesor doutor Maurício Duque, diretor técnico da consultoria DCA, adverte, no entanto, que a NBR 9050 é pensada para espaços públicos, que normalmente

têm dimensões e, principalmente, propósitos de uso diferentes de empresas, onde há movimentação de materiais, de cargas e de pessoas trabalhando. "Não

tem uma norma de acessibilidade para indústria, para fábricas. Quem for fazer o projeto vai ter de pegar o conceito da NBR 9050 e desenvolver", diz.

Além de não haver normas destinadas ao trabalho das PCDs, outra dificuldade é a inexistência de fórmulas prontas capazes de atender às necessidades de

qualquer deficiente em qualquer situação. Cada caso é um caso. Sempre.

Isso porque cada posto de trabalho deve ter suas adaptações pensadas a partir de uma análise feita a partir da combinação entre as características da pessoa

contratada e os movimentos e deslocamentos que serão necessários para o desempenho da função. Isso não significa cuidar apenas dos aspectos operacionais.

É preciso estar atento à acessibilidade até o banheiro, até a sala de reuniões, até a impressora, até o refeitório, e assina por diante. Outro cuidado

é com a facilidade que a PCD terá para se deslocar pelo prédio, não considerando apenas os locais ligados ao seu dia a dia. "A gente precisa adaptar o

trabalho ao homem e não o contrário", comenta Duque.

A necessária conjugação de deficiência com rotina da função para determinar as adequações necessárias, faz com que não se tenha uma lista de adaptações

obrigatórias, mas, aspectos que devem ser observados para pensar a saúde e a segurança do profissional com deficiência. Trata-se de um processo multidisciplinar

na avaliação de Jacinta, que deve envolver técnicos de segurança, ergonomistas. fisioterapeutas, terapeuta ocupacional e psicólogo.

ESTUDO

Cada tipo de deficiência merece uma atenção.especial e o estudo completo das necessidades, o que, naturalmente, faz surgir elementos nunca imaginados por

quem não trabalha com uma PCD ou não tem deficiência.

Quando um deficiente visual entra numa empresa, um dos itens fundamentais é a instalação do piso tátil [foto acima], que orienta principalmente os completamente

cegos na movimentação com a bengala. Esses profissionais também podem se utilizar de softwares especiais para leitura de tela, lupas para leitura, de papéis

impressos e até impressoras em braile. E devem contar com manuais e listas de procedimentos em formato acessível, como Braille, caracteres ampliados ou

em formato digital.

Mas as pessoas com deficiência visual também precisam de apoio em questões menos óbvias do que o piso especial e o material em braile. Um exemplo? Não

se deve mexer na mesa de um deficiente visual depois que ele sai do trabalho. Ao encerrar suas atividades, o trabalhador cego ou com grandes limitações

da visão deixa cada objeto de que faz uso em locais exatos em sua mesa. "Se aquele objeto não estiver no mesmo lugar no dia seguinte, ele fica perdido

porque perde a referência do espaço", acrescenta Jacinta, que também é diretora e ergonomista responsável da Qualivida Consultoria em Saúde.

Duque destaca outros pontos que precisam ser considerados antes de receber um deficiente visual para trabalhar na empresa. É preciso analisar, no posto

de trabalho, o nível de iluminação, a posição da iluminação, a possibilidade de ofuscamento pelo sol e eventuais reflexos da janela. "Em um posto de trabalho

na indústria pode-se criar nichos para a colocação das peças, permitindo a memorização do local de cada componente", diz Duque.

Jacinta salienta que os deficientes auditivos, mesmo os completamente surdos, precisam de proteção contra ruído em excesso. Afinal, mesmo sem a audição,

muitos seguem sensíveis às vibrações dos sons. "Há pessoas que ficam com os ouvidos sangrando em função da vibração de um som muito alto", conta. "Não

pode trabalhar com o nível de ruído elevado, o que poderia agravar a deficiência, reforça Duque.

Os deficientes auditivos também têm uma adequação necessária ligada a sistemas de segurança. Em muitos lugares, os alarmes de incêndio ou de segurança

das máquinas são apenas sonoros. Nesse caso, é preciso instalar ou desenvolver sinais visuais. Uma luz piscante, por exemplo.

INDEPENDÊNCIA

Duque afirma que toda adequação deve buscar essencialmente a independência do profissional para se movimentar e trabalhar, ponto levado em conta na hora

de projetar uma estação de trabalho com computador. A adequação da mesa é um ponto decisivo principalmente para os cadeirantes. Como não existe um padrão

para altura das cadeiras de rodas, é fundamental que as mesas tenham regulagem de altura. "Mas é preciso avaliar a ergonomia da tarefa e do trabalho, se

é um call center ou uma recepção", diz.

A partir disso, a empresa tem de avaliar os espaços para a cadeira, a distância entre o olho do trabalhador e a tela, o tamanho do monitor, o teclado,

a posição do indivíduo no computador e para a escrita manual. O cadeirante também precisa de espaço para movimentação, possibilitando giro da cadeira em

sua mesa e também nos corredores.

Trabalhando na Serasa Experian como executivo de vendas, José Braga [foto acima], conta com mesa adaptada e uma série de adequações nos acessos à sede

da empresa em São Paulo. As adaptações não representam privilégios. Assim como seus colegas, Braga tem metas de vendas a cumprir e também percorre a capital

visitando clientes. São pelo menos 17 visitas mensais com ajuda de um veículo adaptado. "Sempre trabalhei na rua. E hoje estou adaptado. Mas é preciso

muito planejamento. Pensar se tem escada ou elevador, onde vai estacionar. Mas nunca deixei de visitar um só cliente", diz

Para os não cadeirantes, também vale atenção para que ele tenha um local para deixar sua muleta, sem precisar pedir ajuda de alguém para levantar ou para

pegar sua ferramenta.

LIMITAÇÕES

Mesmo as deficiências físicas leves exigem cuidados. Toda limitação deve ser avaliada no planejamento da produção, o que, principalmente na indústria,

pode exigir um menor volume de trabalho do profissional para prevenir acidentes.

No caso das máquinas industriais, Jacinta admite que, em alguns casos, não é possível fazer a adequação. Algumas funções, por exemplo, exigem a operação

com dois braços, inviabilizando a atuação com uma pessoa que só tenha um braço. Não só pela questão operacional, mas também pela segurança.

Jacínta também defende que deficientes físicos sejam colocados em mais de uma atividade, uma vez que, conforme a característica da limitação pode haver

uma maior probabilidade de ocorrências de LER (Lesão por Esforço Repetitivo ) e DORT (Distúrbio Ósteomuscular Relacionado ao Trabalho).

Outro desafio da adequação diz respeito aos sistemas de segurança contra incêndio, alarmes e rotas de fuga. Leia o box, Planejando para a emergência [abaixo].

É preciso sinais visuais para surdos e um plano especial para pessoas com deficiência física, especialmente os cadeirantes. É necessário determinar quem

ajudará o trabalhador, se necessário, na hora da fuga e nas escadas (uma vez que elevadores não podem ser utilizados em caso de incêndio). Há empresas,

como a Serasa Experian, que disponibilizam cadeiras especiais para emergências, que podem descer escadas com segurança.

PLANEJANDO A EMERGÊNCIA

O que deve ser levado em conta na adaptação de sistemas e planos de fuga para empregados:

Com deficiência fisica:

O plano de abandono de área deve considear que pessoas com deficiência física têm mobilidade reduzida. Deve se avaliar a acessibilidade das rotas de fuga

e promover o treinamento da brigada de incêndio, ou outro empregado treinado, especialmente designado para auxiliar e acompanhar a saída dos empregados

com deficiência física.

Com deficiência visual:

Em caso de abandono de área deve haver membro da brigada de incêncio, ou outro empregado treinado, especialmente designado para acompanhar os empregados

com deficiência visual. Este treinamento deve ser simulado anteriormente.

Com deficiência auditiva:

As sinalizações de sinistro, quando sonoras, devem ser acompanhadas de sinais luminosos. Deve-se certificar que os procedimentos tenham sido compreendidos.


Com deficiência intelectual ou mental:

Deve haver membro de brigada de incêndio ou outro empregado treinado, especialmente designado para acompanhar os empregados com deficiência intelectual

ou mental. Simulações específicas devem ser realizadas com estes empregados.

Fonte: Rafael Faria Giguer - auditor fiscal do trabalho do Núcleo Igualdade no Trabalho da SRTE/RS

LINGUAGEM

O médico do Trabalho Paulo Antonio Barros Oliveira, secretário-geral da Abergo (Associação Brasileira de Ergonomia), lembra que não apenas avisos de emergência,

mas placas com indicações de segurança precisam ser adequadas em seu formato e linguagem, se necessário, para pessoas com deficiência mental que estejam

atuando na organização.

A forma como as ordens e orientações são passadas pelos chefes também devem ser analisadas, de acordo com Oliveira. "O encarregado tem de ser treinado

para dar abordagem diferenciada, adaptada à diferença do trabalhador", adverte.

Para contribuir com esse processo, o auditor Rafael Guiguer sugere que a pessoa com deficiência intelectual tenha um colega de referência, que deve ser

capacitado para auxiliar o trabalhador no treinamento continuado em suas atívidades no posto de trabalho, bem como nas demais atívidades na empresa.

O cuidado com todos os aspectos ligados à inclusão é uma característica presente nas iniciativas bem sucedidas de contratação de PCDs. Afinal, o planejamento

correto previne acidentes, garante um bom ambiente de trabalho para a pessoa com deficiência e, principalmente, assegura que o contratado realmente contribua

para a atívidade da empresa, independente da sua deficiência.

INDÚSTRIA

Um exemplo disso é a indústria metalúrgica Corneta, de Osasco/SP. A empresa emprega um total de 22 PCDs, sendo cinco com deficiência mental, admitidos

a partir de convênio com a APAE local. A empresa decidiu dar oportunidades para eles na área de controle de qualidade obtendo excelentes resultados. Antonio

Carlos Bento de Souza, presidente da Corneta, explica que essas PCDs atuam na inspeção visual de componentes de câmbio e de motor de veículos [foto acima].

Depois de um treinamento rigoroso, eles aprendem a examinar as peças que saem da linha de produção, confirmando ou não a sua qualidade. "Não temos ocorrência

de problemas que eles tenham deixado passar. Eles têm um poder de concentração muito grande", diz Bento. Um desses trabalhadores é o auxiliar de inspeção

Edson Nascimento, que há oito anos atua na organização. "O ambiente é muito bom. O pessoal me trata bem e entende minha dificuldade", conta.

Desafios pela frente

A informação é uma das principais armas para acelerar a inclusão

O ano de 2013 começou com grande expectativa sobre as possibilidades de avanços na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Em agosto,

a IN 98 completará um ano, portanto, serão 12 meses de atuação da fiscalização do Ministério do Trabalho sob orientação do novo regramento. Além disso,

é o Ano Iberoamerícano para a Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, conforme declaração anunciada durante a 22a Cúpula Iberoamericana

realizada em novembro do ano passado, na Espanha.

A escolha do tema no encontro de chefes de Governo e de Estado da Pensínsula Ibérica e da América Latina jogou luzes sobre os desafios da inclusão no mercado

de trabalho brasileiro. O documento oficial do encontro destaca que o Relatório Mundial sobre a Deficiência, da Organização Mundial da Saúde (2011) estima

que 15% da população mundial tenham algum tipo de deficiência. Isto significa um bilhão de pessoas com deficiência rio mundo, sendo 90 milhões na região

iberoamericana. A declaração também afirma que 80% das pessoas com deficiência em idade de trabalho estão desempregadas por falta de acessibilidade ou

de conscíentização do setor privado sobre o seu potencial profissional.

CONHECIMENTO

Para que a visibilidade trazida pela medida diplomática seja convertida em mais empregos para as PCDs, o Brasil ainda tem uma série de desafios a serem

superados no aprimoramento da fiscalização, na transformação da cultura das empresas e na capacitação das PGDs.

Para o diretor do Espaço da Cidadania, Carlos Aparício Clemente, a informação é uma das principais armas para acelerar a inclusão, tanto para as empresas

quanto para as pessoas com deficiência. As empresas precisam ter mais informações sobre a lei, o processo de adaptação e o potencial que as pessoas têm

para desenvolver suas atividades sem qualquer prejuízo em relação ao trabalho de colaboradores sem deficiência.

Já entre os trabalhadores deve haver, na sua avaliação, um maior conhecimento sobre a existência e o teor da Lei de Cotas. "Hoje essa lei é muito mais

conhecida do que era há pouco tempo. Mas é importante divulgar da maneira mais ampla possível. Afinal, é uma obrigação legal, não responsabilidade social

ou benemerência", reforça José Carlos do Carmo, do MTE.

O governo federal tem a tarefa de fazer de fato sair do papel o Programa Viver Sem Limites, anunciado em 2011 pela presidente Dilma Rouseff, com a promessa

de investir R$ 7 bilhões em projetos para beneficiar a inclusão. Apesar do anúncio, o governo ainda deve às PCDs um reforço na fiscalização do Ministério

do Trabalho, que serve tanto para a Lei de Cotas quanto para a garantia dos demais direitos dos trabalhadores brasileiros. Segundo Fernanda Maria Pessoa

dl Cavalcanti, coordenadora nacional do Projeto de Inserção de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, hoje há 2,9 mil auditores. Há previsão de

concurso para 160 vagas, que mal seriara suficientes para cobrir as aposentadorias. "Deveríamos ter o dobro do que temos hoje", calcula.

QUALIDADE

Além do reforço na equipe, Clemente aponta a necessidade da verificação da Lei de Cotas pela fiscalização de campo, em vez da mera checagem de papéis,

capaz apenas de confirmar o cumprimento quantitativo das Cotas, mas insuficiente para examinar a qualidade da inclusão. "O MTE tem de obrigar o auditor

a perguntar sempre se tem gente com deficiência trabalhando. E, se tiver, ver se tem condições de trabalho, ver que documentação a CIPA tem sobre essa

inclusão. Também olhar o PPRA e o PCMSO, se foi feito um plano de inclusão ou se a pessoa foi só jogada ali", completa.

Outro problema ligado à inclusão é a obtenção de estatísticas oficiais sobre a presença desses profissionais no mercado de trabalho. Hoje, a fonte mais

confiável e abrangente é a RAIS, do MTE. Os dados são levantados a partir da declaração obrigatória das empresas. Mas ainda há problemas com o correto

preenchimento dos dados, inclusive no setor público.

Quem também tem um longo caminho a cumprir são os programas e instituições de capacitação, principalmente as do Sistema S, que possuem um trabalho tão

complexo quanto o dos próprios empregadores na adaptação de seus espaços para cursos. O Senai/SP vem adotando uma fórmula para dar maior eficiência aos

treinamentos.

A instituição, que desde 1999 mantém o Programa Senai de Ações Inclusivas, designou por meio do Programa Incluir, instituído em 2011, um profissional ein

cada uma de suas 90 unidades no Estado para cuidar da inclusão de PCDs em seus cursos. Chamados de interlocutores, eles são capacitados para conduzir a

adequação das aulas às características de cada pessoa com deficiência matriculada, adotando as providências necessárias.

Para a capacitação de PCDs, a adaptação de equipamentos e cursos é feita de maneira individual. Cada vez que uma pessoa com deficiência procura o Senai

paulista para se inscrever num curso, inicia-se ura processo de análise das deficiências do aluno para identificar o que é preciso modificar na aula e

nos equipamentos empregados. "Se a pessoa com deficiência vem para os nossos cursos, a gente promove a acessibilidade de que ela precisa", diz Sandra Rodrigues

Silva Chang, professora especialista em Educação do Senai/SP, que teve seis mil matrículas de PCDs entre janeiro e novembro de 2012.

O alerta levantado pelo Ano Iberoamericano é mais um sinal de que os problemas expostos discretamente nas tabelas do IBGE e MTE e na rotina particular

das PCDs precisam figurar entre as principais preocupações da sociedade: dos governos às empresas. É com o devido conhecimento do que precisa ser feito

e do potencial de trabalho das pessoas com deficiência que se pode abrir o caminho para que cada empresa faça sua parte. E que assim ela promova a boa

inclusão, com o necessário apoio dos órgãos de fiscalização, na orientação sobre as adequações necessárias, e das instituições de capacitação, na preparação

das PCDs para o trabalho.
POLÍTICAS INTERNACIONAIS DE INCENTIVO AO TRABALHO DAS PCDs

PORTUGAL: o art. 28 da Lei n° 38/04, estabelece a cota de até 2% de trabalhadores com deficiência para a iniciativa privada e de, no mínimo, 5% para a

administração pública.

ESPANHA: a Lei n° 66/97 ratificou o art. 4° do Decreto Real n° 1.451/83, que assegura o percentual mínimo de 2% para as empresas com mais de 50 trabalhadores

fixos. Já a Lei n° 63/97 concede uma gama de incentivos fiscais, com a redução de 50% das cotas patrimoniais da seguridade social.

FRANÇA: o Código de Trabalho, em seu art. L323-1, reserva 6% dos postos de trabalho em empresas com mais de 20 empregados.

ITÁLIA: a Lei n° 68/99, no seu art. 3°, estabelece que os empregadores públicos e privados devam contratar pessoas com deficiência na proporção de 7% de

seus trabalhadores, no caso de empresas com mais de 50 empregados; duas pessoas com deficiência, em empresas com 36 a 50 trabalhadores, e uma pessoa com

deficiência, se a empresa possuir entre 15 e 35 trabalhadores.

ALEMANHA: a lei alemã estabelece para empresas com mais de 16 empregados uma cota de 6%, incentivando uma contribuição empresarial para um fundo de formação

de profissionais de pessoas com deficiência.

ÁUSTRIA: a lei federal reserva 4% das vagas para trabalhadores com deficiência nas empresas que tenham mais de 25, ou admite a contribuição para um fundo

de formação profissional.

HOLANDA: o percentual varia de 3% a 7%, sendo este firmado por negociação coletiva, dependendo do ramo de atuação e do tamanho da empresa.

ARGENTINA: a Lei n° 25.687/98 estabelece um percentual de, no mínimo, 4% para a contratação de servidores públicos. Ainda há incentivos para que as empresas

privadas também contratem pessoas com deficiência.

COLÔMBIA: a Lei n° 361/97 concede benefícios de isenções de tributos nacionais e taxas de importação para as empresas que tenham, no mínimo, 10% de seus

trabalhadores com deficiência.

URUGUAI: a Lei n° 16.095 estabelece, em seu art. 42, que 4% dos cargos vagos na esfera pública deverão ser preenchidos por pessoas com deficiência e, no

art. 43, para a concessão de bens ou serviços públicos a particulares, que estes contratem pessoas com deficiência, mas não estabelece qualquer percentual.


JAPÃO: a Lei de Promoção do Emprego para Portadores de Deficiência, de 1998, fixa o percentual de 1,8% para as empresas com mais de 56 empregados, havendo

um fundo mantido por contribuições das empresas que não cumprem a cota, fundo este que também custeia as empresas que a preenchem.

CHINA: a cota oscila de 1,5% a 2%, dependendo da regulamentação de cada município.
Fonte: Cartilha A Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. Secretaria de Fiscalização do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho

e Emprego.

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 te rede sacif

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