quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O que é que a Suécia tem em acessibilidade?

Em Estocolmo, meios-fios adaptados facilitam o embarque em ônibus coletivos. Alertas eletrônicos também anunciam o itinerário dos veículos Em Estocolmo, meios-fios adaptados facilitam o embarque em ônibus coletivos. Alertas eletrônicos também anunciam o itinerário dos veículos A convite do governo da Suécia, para tratar do tema AcessibAbility (um misto de acessibilidade com habilidade, em inglês), o Instituto Mara Gabrilli viajou 15 horas até a cidade de Estocolmo para conhecer de perto as políticas de inclusão para pessoas com deficiência daquele país. A cidade cheira a coisa nova com arquitetura antiga. Nos prédios, imensos por sinal, intermediados por grandes espaços verdes ou pelas águas (falam que Estocolmo é a Veneza do Norte), palavras escritas em sueco chamam a atenção pela singularidade. Entre klädaffär e McDonalds – sim, a globalização está em toda a parte – podemos observar uma cidade plana onde se anda de bicicleta, tem não muitos carros, porém muito trânsito devido à estrutura estreita das ruas, e o desejo de se acessibilizar a infraestrutura urbana. O país é signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU desde 2009 e conta com uma Agência para Participação que monitora e fiscaliza todas as ações que prevêm acessibilidade na Suécia. O país tem 343 municípios, perto de 2 milhões de habitantes, e nas cidades há uma fiscalização minuciosa quanto à aplicação das regras de inclusão. Para tanto, a agência conta com 22 unidades abaixo dela para cuidar – cada uma – especificamente sobre um item dessa agenda: mercado de trabalho, educação, assistência social, saúde, transporte, leis, coisas que podem ser consumidas, tecnologia, cultura, esporte e comunicação entre outras. A Prefeitura da cidade de Estocolmo, que tem uma ombudsman somente para tratar de assuntos sobre as pessoas com deficiência, Ms. Riitta-Leena Karlsson, é uma pessoa falante, sorridente e honesta na avaliação sobre o principal problema da inclusão quando se quer cuidar tudo com assistencialismo. “Mas estamos trabalhando duro para inverter esse processo e fazer entender que o importante é empoderar as pessoas com deficiência”, afirmou. Nesse sentido a cidade e os governantes vem trabalhando duríssimo. E o trabalho tem dado certo. Na Suécia, apenas 22% das pessoas com deficiência estão fora do mercado de trabalho, apesar de receber assistência do governo para… ficar em casa. A cidade tem 900 mil habitantes e entre 10 a 15% de pessoas com deficiência. Uma novidade, e a grande batalha no ponto de vista da ombudsman de Estocolmo, é a retirada de pessoas com deficiência de internatos, ou institutos, para a convivência com a sociedade. O governo paga uma pensão às pessoas com deficiência e com esse dinheiro eles podem se manter em uma casa funcional, ou seja, casas compartilhadas em que até seis pessoas com deficiência severa ou moderada convivem entre si e com um pequeno staff que acompanha no que for preciso. Isso porque na Suécia, quando a criança nascia com alguma deficiência, os pais podiam deixá-la em uma intitutição. Assim, muitas pessoas viviam nessa condição – longe dos parentes, longe de tudo. Hoje, essas instituições são proibidas e todas essas antes crianças, agora adultos ou jovens, estão sendo transferidas para essas casas. Ali podem conviver, fazer amigos, e até casar – como em alguns casos já aconteceu. Então, havia uma pedra. A caminho do Palácio Imperial, um lugar lindo, antigo, repleta de histórias e casas seculares, passamos por um pequeno centro comercial, com lojas de grandes marcas. Fizemos o roteiro a pé para identificar o observar a acessibilidade na arquitetura da cidade. Então, pudemos observar que no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho. Como diria Drummond. A ombudsman da cidade de Estocolmo, Ms. Karlsson, que nos acompanhou pelo percurso, apontou pessoalmente o que impede a total acessibilidade da cidade. Na entrada das lojas, em especial as mais antigas, ainda há marcas da cultura de anos que não quer se dobrar ante a universalidade do ser humano: existem degraus da rua para dentro das lojas. E muita, muita propaganda em mini-postes espalhados pelo calçadão e pelas calçadas. Ms. Karlsson não teve dúvidas: tirou ela mesma uma dessas propagandas. “Isso é um absurdo. Eles sabem que não podem fazer isso, mas ainda assim fazem. Precisamos tomar mais providências”, disse. Mas o fato é: a cidade de Estocolmo não é 100% acessível para pessoas com deficiência. A jornalista Christiane Link, nascida alemã mas residente em Londres, que nos acompanhava em comitiva – e que é cadeirante – afirmou que a cidade não é seu destino favorito – seja a lazer ou trabalho – por esse motivo. Ms. Karlsson ficou vexada mas a verdade está estampada nas calçadas e em muitos lugares. Uma verdade à la Drummond e que pode ser notada em todas as faces do mundo: as pessoas resistem à mudança. Apesar de ser pelo bem de todos. E isso sim está arraigado na cultura desse país nórdico. Eles têm a vontade de mudar em respeito à democracia que dá a todos direitos iguais. Se é para todos, não tem a discussão do que é incluir. Para todos é para todos e basta. Mas as pedras, meus caros, podem ser claramente observadas tanto aqui na Suécia quanto no Brasil. E a conversa com a Ms. Karlsson rendeu ainda tantas outras histórias. Uma mulher entusiasta, de fibra, que luta na cidade por mais acessibilidade e repeito às pessoas com deficiência. Ela voltou a falar das residências inclusivas. Disse da dificuldade que foi implementar essa política de inclusão – até por conta da vizinhança. Alguns suecos não queriam esse “tipo de casa” ao entorno da sua, que por vezes é cara e poderia desvalorizar seu patrimônio. É muito estranho e importante assistir que alguns tipos de conduta são inerentes ao ser humano, independente da educação, de onde tenha nascido e com quem conviva. Apesar de exemplos ruins, Ms. Karlsson diz se impactar apenas pelos bons. Ela relatou que sentiu “chacoalhar a alma” quando foi em uma dessas residências e visitou dois ex-internos que foram mostrar, com entusiasmo de criança que ganhou seu primeiro presente, quais eram seus mais importantes objetos pessoais. Um indicou o seu nome escrito na porta do prédio – na Europa, as casas tem os nomes das pessoas que ali residem na entrada -, colocando naquele pequeço de metal um valor sem preço – em internatos, eles não tem nome e nem identidade assim tão pessoal. O segundo, mostrou o local onde toma banho como sendo para ele essencial ter esse espaço seu. Por fim, a história de um autista que no internato comia objetos – tudo pela frente – e que quando foi para uma residência inclusiva passou a comer apenas.. comida. Pequenas mas importantes mudanças no empoderamento das pessoas com deficiência que as transformam em cidadãos integrantes, enfim, do sistema social. A leitura como ferramenta de inclusão A bibliotecária da Agência para Participação do Instituto Sueco, Ms. Anna-Karin Hugo nos mostrou um pouco sobre a inclusão na literatura sueca. Livros em braille e livros falados – há aqui uma diferença entre “talking books” e “audio books”, enquanto o primeiro trata de livros inclusivos, o segundo é comercialmente vendido – são importantes ferramentas de inclusão e toda a biblioteca sueca é obrigada por lei a dispor desses materiais. Eles têm 17 mil títulos em braille, 100 mil talking books para downloading, todos totalmente de graça se você se inscrever no site http://www.legimus.se. Além de contar diariamente com 100 jornais suecos gravados em áudio apesar de a versão impressa. Diariamente. Isso é inclusão. Outra coisa interessante, o sistema DAYSI – usado no mundo todo – é.. ulalá.. sueco, claro! E eles se sentem muito contentes e orgulhosos em exportar tecnologia de inclusão para uso do mundo inteiro. E falando em tecnologia, não há como não citar o Museu Nacional de Ciência e Tecnologia da Suécia. Um espaço gigantesco que pretende investir na criação de novos inventores – em especial trazendo crianças para o convívio das invenções. Segundo os coordenadores do Museu, eles usam a história para construir o futuro. E justamente pensando no futuro que desenvolveram uma grande exposição chamada MegaMind, que explora os sentidos, a colaboração e a acessibilidade. O Museu recebe perto de 350 mil visitas ao ano e desses, 66 mil são alunos. Além de mapa táteis que exibem todo o itinerário da mostra, ainda pedestais eletrônicos em frente a cada equipamento da mostra contêm informações em todos os formatos – em alto contraste, somente em audio ou em língua de sinais. Ou seja, qualquer pessoa tem acesso à explicação e ao que se serve aquele equipamento da mostra. Quando se trata de tecnologia, a Suécia realmente é um exemplo de acessibilidade. A grande missão da cidade de Estocolmo (como a da cidade de São Paulo e de outras cidades brasileiras e para os brasileiros com deficiência – mais do que esperamos, lutamos para), é garantir que a pessoa com deficiência possa viver com qualidade de vida e igualidade de oportunidades na participação da vida em sociedade. Nos últimos quarto anos, a Suécia investiu algo em torno de 100 milhões de coroas suecas em acessibilidade. Isso é mais do que o mínimo que podemos esperar. E Estocolmo vem mostrando sua intensa dedicação e empenho nesse quinhão. Fonte: Vida Mais Livre

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