segunda-feira, 9 de junho de 2014

Um milagre como legado?

Anuncia a mídia que o pontapé inicial da Copa do Mundo terá como protagonista um paraplégico vestido num robô, o exoesqueleto. Há algum tempo quero escrever a respeito. E, agora, com a proximidade do “espetáculo”, o desejo vira obrigação. Luiz Portinho Primeiro porque a grande mídia não concedeu, no período de 5 anos para produção do robô, nenhum espaço ou oportunidade para que o Movimento das Pessoas com Deficiência (PCDs) desse sua opinião e o seu ponto de vista a respeito (“nada sobre nós sem nós”). Segundo porque ele envolve milhões de reais em investimentos públicos. Terceiro porque a “geringonça” a qual se denomina de exoesqueleto toma por base uma técnica que, nas palavras do neurocientista Sérgio Neuenschwander, “não está madura” e padece de consistentes dúvidas em relação às possibilidades de evolução científica. Não bastasse tudo isso, como bem anotou o Professor Humberto Lippo, o ato promoverá verdadeira satanização da cadeira de rodas (reforçando a atual concepção/paradigma de objeto de prisão ou de confinamento). Não tenham dúvidas que no dia 13 de junho, ao sair às ruas, cadeirantes serão interpelados pelo povo e indagados e instados a buscar a “ajuda” do exoesqueleto para solução de seu problema (a cadeira de rodas). E isso não será novidade. Basta o programa Fantástico veicular reportagem sobre algum “experimento” que propicia milagres no domingo para que na segunda-feira o cadeirante tenha de se justificar, “gastando pólvora com chimango”, por estar ali triste e sentado e ainda não estar caminhando e feliz. Cadeira de rodas é tristeza. Caminhar é felicidade. É esse o paradigma vigente em nossa sociedade com relação as PCDs. E é esse paradigma que será reforçado com o trágico espetáculo do exoesqueleto na abertura do Mundial. No dia 13 de junho, ao sair às ruas e tropeçar nos buracos das calçadas inacessíveis, aguardar por horas na parada de ônibus pela chegada de um carro adaptado (que no mais das vezes chega com o elevador estragado/emperrado), tentar estacionar numa vaga reservada, ingressar numa escola, ginásio, restaurante, loja ou estádio e esbarrar em barreiras arquitetônicas e culturais, certamente o cadeirante será interpelado pelo primeiro transeunte do porque de ainda não estar andando com o exoesqueleto. Os doze palcos do Mundial, os Estádios, não foram concebidos de forma a acolher as PCDs com dignidade e respeito – a segregação em reservados ainda é paradigma para arquitetos de renome. A mídia noticiou com timidez e não fomentou o debate. Secretário de Turismo do Rio de Janeiro disse que PCDs não são o público alvo do Mundial. E o Ministério Público, de forma vergonhosa, transacionou e colocou em segundo plano o respeito à Lei 10.098 e ao Decreto 5296. As instituições, os poderes constituídos, as corporações e a própria população continua a trabalhar a questão da acessibilidade e os temas que envolvem as PCDs de forma distorcida; os equivocados paradigmas contaminam todas as ações (que são poucas). Precisamos alterar esses paradigmas e toda iniciativa ou evento que os reforce deve ser veemente repudiada, especialmente pelo Movimento das PCDs. Em 13 de junho haverá apenas o pontapé inicial do Mundial que resolve todos os problemas do paraplégico/tetraplégico (a satanizada cadeira de rodas). Não haverá nota explicativa ao pontapé informando os milhões investidos, se tratar de tecnologia incipiente e experimental e muito menos o valor inacessível da engenhoca ao público consumidor. Ficará apenas o pontapé do paraplégico, o milagre – o legado. Justo ele, a maior herança de uma Copa do Mundo – como ouvimos isso nos últimos anos, não O tal de legado. Pois o grande legado às pessoas com deficiência não deveria ser a promessa de um milagre. Mais uma vez perdemos oportunidade ímpar de colocar a causa da acessibilidade na pauta de prioridades de nossa sociedade. ¤ fonte:rede saci

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