Em decisão liminar, o juiz da 14.ª Vara Cível de São Paulo determinou que, a partir de março de 2019, as salas de cinema de todo o País deverão ter tecnologias
de acessibilidade para pessoas com deficiência visual ou auditiva. Cabe recurso. De acordo com a decisão, o governo federal deverá apresentar em 30 dias
um plano com as complementações técnicas necessárias e um cronograma que envolva a fase de testes até a implementação das tecnologias de audiodescrição,
janelas para intérpretes de Libras e legendas descritivas (closed caption). Em caso de descumprimento da ordem, uma multa diária de R$ 10 mil foi fixada.
Acessibilidade nos cinemas virou caso de justiça
PraCegoVer: pessoas vistas de costas sentadas em um auditório. Ao fundo, a projeção de um slide e algumas pessoas em pé.
O prazo definido a partir do requerimento do Ministério Público Federal (MPF) antecipa o período de 48 meses estipulado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência,
que venceria em julho de 2019. O argumento do juiz José Carlos Francisco indica que o prazo é demasiadamente longo e “a urgência está demonstrada pela
exclusão prolongada e excessiva do acesso de pessoas (com deficiências ou necessidades especiais) à produção de obras audiovisuais”.
Para acompanhar um filme no cinema, pessoas com deficiência auditiva precisam de legendas descritivas, contendo informações sobre trilha sonora e o tom
das falas dos personagens; pessoas com deficiência visual precisam da audiodescrição em que um narrador descreve as cenas que não podem ser compreendidas
sem o uso da visão.
Para Paulo Romeu, consultor técnico da Organização Nacional de Cegos do Brasil e autor do Blog da Audiodescrição, a liminar concedida pela Justiça é um
primeiro passo para a obrigatoriedade de legendas descritivas, audiodescrição e interpretação na lingua de sinais nos cinemas, mas o caminho ainda é longo.
"O simples fato de o tema ter sido judicializado já é positivo, dará dor de cabeça à Agência Nacional do Cinema (Ancine), que terá de responder à Justiça",
afirma.
O problema, segundo ele, é a adaptação para à lingua de sinais, que seria o maior entrave para a acessibilidade. "Legenda descritiva e audiodescrição nem
precisariam de mais prazo para serem implementadas. A dificuldade está na adaptação para a lingua de sinais. O temor é que a Ancine, ao expor essa dificuldade,
consiga que a Justiça adie a acessibilidade para todas as modalidades e, enquanto não resolve as três, não faz nenhuma".
Na prática, diz, dois terços da questão já poderiam estar resolvidos. "Por que a Ancine e os exibidores não resolvem o que não tem dificuldade técnica
e esticam o prazo de implementação só para o que tem?", questiona.
Mauricio Santana, vice-presidente da Associação Brasileira de Audiodescrição (Abad) e diretor da Iguale, empresa que produz conteúdo acessível, diz que
a solução tecnológica para colocar a acessibilidade nos três níveis nas salas de cinema existe, mas faltam testes para comprovar a eficácia, especialmente
para a Libras, que demanda tecnologia mais complicada.
"As ferramentas existem e estão prontas. Tecnicamente está OK. Faltam testes na vida real, mas daria tempo de colocar na rua a partir de março, como determina
a liminar da Justiça".
Tecnicamente inviável
Em nota, a Ancine informou que ainda não foi notificada da decisão, mas comentou a liminar. "Acerca da decisão, esta agência entende ser tecnicamente inviável
o seu cumprimento, dado o estágio de maturidade tecnológica das alternativas existentes, dos prazos para investimento, para importação de equipamentos
e insumos e para instalação das salas de cinema".
De acordo com a agência, “até janeiro de 2020, todo o parque exibidor brasileiro deverá estar adaptado de modo a permitir a oferta dos recursos de acessibilidade.”
O planejamento da instituição segue as Instruções Normativas 116 e 128, dispositivos específicos que tratam da acessibilidade em salas de exibição. "O
prazo da IN 128 foi atualizado pela IN 145 e inicia-se em junho de 2019, para os distribuidores, e, entre junho de 2019 e janeiro de 2020, para os exibidores",
diz a nota.
Os exibidores Cinemark, CineSesc e Espaço Itaú de Cinema foram procurados pela reportagem, mas não retornaram até o fechamento desta edição.
Por: Leandro Nunes, Ana Carolina Sacoman
Colaborou: JULIA AFFONSO
Fonte: O Estado de São Paulo
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