terça-feira, 4 de março de 2014
História do Carnaval Por Monique Cardoso
Das festas populares do Brasil, o Carnaval é, sem dúvidas, a mais grandiosa delas e uma das poucas manifestações folclóricas que ainda sobrevivem e conseguem
envolver o grande público. A história do Carnaval começa há mais de 4 mil anos antes de Cristo, com festas promovidas no antigo Egito, como as festas de
culto a Ísis. Eram principalmente eventos relacionadas a acontecimentos religiosos e rituais agrários, na época da colheita de grandes safras. Desde essa
época as pessoas já pintavam os rostos, dançavam e bebiam. Há também indícios que o Carnaval tem origem em festas pagãs e rituais de orgia. Em Roma, as
raízes deste acontecimento estão ligadas a danças em homenagem ao Deus Pã e Baco, eram as chamadas Lupercais e Bacanais ou Dionísicas.
Com o advento da Era Cristã, a Igreja começou a tentar conter os excessos do povo nestas festas pagãs. Uma solução foi a inclusão do período momesco no
calendário religioso. Antecedendo a Quaresma, o Carnaval ficou sendo uma festa que termina em penitência na quarta feira de cinzas. Os cristãos costumavam
iniciar as comemorações do Carnaval na época de Natal, Ano Novo e festa de Reis. Mas estas se acentuavam no período que antecedia a Terça-feira Gorda,
chamada assim porque era o último dia em que os cristãos comiam carne antes do jejum da quaresma, no qual também havia, tradicionalmente, a abstinência
de sexo e até mesmo das diversões, como circo, teatro ou festas.
No Corso, os carros abertos desfilavam nas principais ruas das grandes cidades
De acordo com o calendário gregoriano, utilizado oficialmente na maior parte do mundo, o Carnaval é uma festa móvel porque é indicado pelo domingo de Páscoa,
também uma data comemorativa móvel para que não coincida com a páscoa dos judeus. Para saber em que dia cairá as duas festas, determina-se primeiro o equinócio
da Primavera (no Brasil é Outono). Não se pode esquecer que o calendário segue as estações do ano de acordo com o hemisfério norte, onde foi criado. O
primeiro domingo após a lua cheia posterior ao equinócio da primavera é o domingo de Páscoa. Face a essa regra, o domingo de carnaval cairá sempre no 7º
domingo que antecede à Páscoa. A quaresma tem início na quarta feira de cinzas e como o próprio nome diz, tem duração de 40 dias.
Em 1938, as grandes sociedades, ainda famosas, desfilavam com carros alegóricos
Na Idade Média, predominavam nos festejos de Carnaval os jogos e disfarces. Em Roma havia corridas de cavalos, desfiles de carros alegóricos e divertimentos
inocentes como a briga de confetes pelas ruas. O baile de máscaras foi introduzido pelo papa Paulo II, no século XV, mas ganhou força e tradição no século
seguinte, por causa do sucesso da Commedia dell'Arte. As mais famosas máscaras são as confeccionadas em Veneza e Florença, muito utilizadas pelas damas
da nobreza no século XVIII como símbolo máximo da sedução.
Ala de baianas numa primitiva escola de samba aguardando o desfile, em 1931
Datam dessa época três grandes personagens do Carnaval. A Colombina, o Pierrô e o Arlequim tem origem na Comédia Italiana, companhia de atores que se instalou
na França pra difundir a Commedia dell'Arte. O Pierrô é uma figura ingênua, sentimental e romântica. É apaixonado pela Colombina, que era uma caricatura
das antigas criadas de quarto, sedutoras e volúveis. Mas ela é a amante de Arlequim, rival do Pierrô, que representa o palhaço farsante e cômico.
O Rancho Flor de Abacate, vencedor do carnaval carioca de 1932
Na Europa um dos principais rituais de Carnaval foi o Entrudo. A palavra vem do latim e significa início, começo, a abertura da Quaresma. Existe desde
590 d.C., quando o carnaval cristão foi oficializado. O povo comemorava comendo e bebendo para compensar o jejum. Mas, aos poucos, o ritual foi se tornando
bruto e grosseiro e o máximo de sua violência e falta de respeito aconteceu em Portugal, nos séculos XVII e XVIII. Homens e mulheres atiravam água suja
e ovos das janelas dos velhos sobrados e balcões. Nas ruas havia guerra de laranjas podres e restos de comida e se cometia todo tipo de abusos e atrocidades.
O Carnaval no Brasil
Por causa das atuais maneiras de se brincar o Carnaval. muita gente pensa que esta festa tem origem na cultura trazida pelos escravos. Mas, ao contrário
disso, o carnaval brasileiro se origina no entrudo português e aqui chegou com as primeiras caravelas da colonização. Recebeu também muitas influências
das mascaradas italianas e somente no século XX é que recebeu elementos africanos, considerados fundamentais para seu desenvolvimento. Com essa mistura
de costumes e tradições tão diferentes, o Carnaval do Brasil é um dos mais famosos do mundo e, todos os anos, atrai milhares de turistas dos cinco continentes.
Mais precisamente, o entrudo desembarcou no Brasil em 1641, na cidade do Rio de Janeiro. Assim como em Portugal, era uma festa cheia de inconveniências
da qual participavam tanto os escravos quanto as famílias brancas. Após insistentes intervenções e advertências da Igreja Católica, os banhos de água suja
foram sendo substituídos por limões de cheiro, esferas de cera com água perfumada ou água de rosas e bisnagas cheias de vinho, vinagre ou groselha. Esses
frascos deram origem ao lança-perfume, bisnaga ou vidro de éter perfumado de origem francesa. Criado em 1885, chegou ao Brasil nos primeiros anos do século
XX. Também substituindo as grosserias, vieram então as batalhas de flores e os desfiles em carros alegóricos, de origem européia.
Uma das figuras mais marcantes da festa é a do Rei Momo, inspirada nos bufos, atores portugueses que costumavam representar comédias teatrais para divertir
os nobres. Há também o Zé Pereira, tocador de bumbo que apareceu em 1846 e revolucionou o carnaval carioca. Tem origem portuguesa e, tendo sido esquecido
no começo do século XX, deixou como sucessores os ritimistas que acompanhavam os blocos dos sujos tocando cuíca, pandeiro, reco-reco e outros instrumentos.
As máscaras e fantasias começaram a ser difundidas aqui ainda na primeira metade do século XIX. O primeiro baile de máscaras do Brasil foi realizado pelo
Hotel Itália, no Largo do Rocio, RJ. A idéia logo virou um hábito e contagiou a cidade. Mas, apesar de ser uma maneira sadia e alegre de se brincar o carnaval,
contribuiu para marcar as já gritantes diferenças sociais que aqui sempre existiram. O carnaval dos salões veio para agradar a elite e a classe emergente
do país, o povo ficava do lado de fora, nas festas de rua ao ar livre. E mesmo com o grande sucesso dos bailes de salão, foi na esfera popular que o carnaval
adquiriu formas genuinamente autênticas e brasileiras.
Um dos itens mais importantes do carnaval brasileiro também obedece à evolução histórica. Na falta de um gênero próprio de música carnavalesca, inicialmente
as brincadeiras eram acompanhadas pela Polca. Depois o ritmo passou a ser ditado pelas quadrilhas, valsas, tangos, charleston e maxixe, sempre em versão
instrumental. Somente em 1880 as versões cantadas - entoadas por coros - invadiram os bailes. A primeira música feita exclusivamente para o carnaval foi
uma marchinha, "Ó abre alas", composta para o cordão Rosa de Ouro pela maestrina Chiquinha Gonzaga em 1899 e inspirada pela cadência rítmica dos ranchos
e cordões. Desde então este gênero, que rapidamente caiu no gosto popular, passou a animar os carnavais cariocas. Elas sobreviveram por um longo tempo,
mas foram substituídas pelo samba, que na década de 60 passou a ocupar definitivamente o lugar das velhas marchinhas populares de carnaval nas rádios,
nas gravadoras de discos e na recente televisão.
A evolução do carnaval carioca
No carnaval Carioca os cortejos carnavalescos eram organizados pelas "sociedades", clubes ou agremiações que competiam entre si em desfiles de alegorias
que geralmente satirizavam o governo. A primeira surgiu em 1855 e se chamava "Congresso das Sumidades Carnavalescas", tendo José de Alencar como um de
seus fundadores. Depois vieram a União Veneziana e muitas outras que eram uma verdadeira coqueluche durante o Império. Uma das poucas que de fato se consolidaram
foi a Democráticos. Outro importante movimento foi o dos Cordões, surgidos em 1885, que originaram os blocos e posteriormente as escolas de samba. Eram
formados por negros, mulatos e pessoas humildes em geral, que saíam às ruas animando o povo ao som de instrumentos de percussão e músicas compostas especialmente
para os desfiles comandados pelo apito do mestre que estava sempre à frente dos músicos. Cada Cordão era identificado por um estandarte. É a primeira manifestação
de carnaval bastante influenciada pela cultura e religião africana. A religião, desta vez a católica, também deu origem ao Rancho, semelhante aos Cordões,
que inicialmente desfilavam no Dia de Reis, quando as pessoas se fantasiavam de pastores e pastoras e saíam em procissão, simulando um rumo à Belém. E
assim como os cordões, os ranchos tiveram de ceder espaço às escolas de samba.
O século XX chega com novidades também para o carnaval. Logo depois da inauguração da Av. Central surgiu o Corso, um desfile de caminhões e carros abertos,
com ou sem decoração conduzindo famílias e grupos de foliões pelo centro da cidade. Era uma brincadeira animada entre as pessoas que estavam nos carros
e as que acompanhavam a pé o cortejo, com direito à guerra de confete e serpentina. O Corso foi ficando para trás na medida em que o progresso e o trânsito
iam para frente.
As famosas matinês tiveram início praticamente na mesma época do Corso, com a realização do primeiro baile infantil em 1907. Também se multiplicavam os
bailes nas casas das famílias mais abastadas da cidade. Em 1909 surgiu o primeiro concurso num baile de carnaval. Somente os homens tinham direito à voto
e os prêmios eram valiosas jóias. Premiava-se a melhor fantasia, a mais bela mulher e a mais criativa dança.
Surgimento das Escolas de Samba
Foi no bairro do Estácio que surgiu o ritmo que iria dar um novo tom ao Carnaval e viria, em pouco tempo, a se consagrar como uma das marcas registradas
da música brasileira, o samba. Com notas mais longas e um andamento bem mais rápido que os ritmos amaxixados que o antecederam, o samba fora criado especialmente
para arrebanhar as massas durantes os desfiles de um dos mais famosos blocos de carnaval, o Deixa Falar. A maior novidade estava por conta da evidente
marcação que a música apresentava, graças a um novo instrumento, o surdo, criado por um dos bambas do Estácio, Alcebíades Barcelos, o Bide.
O surgimento de tantas novidades provocou uma verdadeira revolução, trazidas pelos compositores do Deixa Falar. Foi Ismael Silva o primeiro a atribuir
ao bloco a expressão "escola de samba", e devido ao prestígio que gozavam, os sambistas eram chamados de professores. Há, porém, uma outra versão para
o emprego da expressão "escola de samba". Bem próximo à sede do Deixa Falar, fundado em agosto de 1927, havia uma Escola Normal, formadora de professores.
Como muitos sambistas de outros locais procuravam os compositores do Largo do Estácio para conhecerem as novidades do samba, estes também eram chamados
"professores" e a sede do bloco, "escola de samba".
A Deixa falar foi então, a primeira escola a desfilar, no carnaval de 1929, ano em que surgiu a Estação Primeira, que até os dias de hoje reivindica para
si o pioneirismo entre as escolas de samba. A primeira competição entre as escolas teve início em 1932, na Praça Onze, concurso promovido pelo jornal Mundo
Sportivo, do jornalista Mário Filho. Devido à grande repercussão, o Jornal O Globo assumiu o concurso no ano seguinte. Somente em 1935 a Prefeitura do
Rio tomou frente na organização do evento que é hoje, um dos maiores espetáculos do mundo.
O Carnaval da Bahia
Em Recife e Olinda o carnaval é dominado pelos imensos bonecos embalados pelo frevo
O Carnaval de Rua foi desaparecendo à medida que as Escolas de Samba ganhavam popularidade e apresentavam à público desfiles cada vez mais grandiosos.
Na Bahia aconteceu exatamente o contrário. O carnaval de Salvador, a primeira capital do Brasil, evoluiu como no Rio de janeiro e em diversas outras partes
do país. As iniciativas tomadas para conter os abusos do entrudo português fizeram surgir os bailes dos salões, com grande destaque para as festas à fantasia
do teatro São João, o corso, os cordões e blocos diversos. O ano de 1884 é considerado um marco pelos baianos devido a organização apresentada pelas manifestações
populares a partir deste ano.
No finalzinho do século XIX, por volta de 1894, 1895, surgiu o Afoxé, um tipo de grupo formado por negros que representavam casas de culto de herança africana
e saíam às ruas cantando e recitando seqüências de músicas e letras. Os afoxés exibiam-se na Baixa dos Sapateiros, Taboão, Barroquinha e Pelourinho, enquanto
os grandes clubes desfilavam em áreas mais nobres. O mais famoso afoxé é o "Filhos de Gandhy", criado em 1949 - ano do IV centenário da cidade - pelos
estivadores do Porto de Salvador. O nome é uma homenagem ao pacifista indiano Mahatma Gandhy, assassinado um ano antes.
A maior inovação do Carnaval da Bahia porém, foi o Trio Elétrico de Dodô e Osmar, que surgiu em 1950 e representa a consagração do carnaval de rua. A primeira
apresentação foi feita em cima de um Ford 1929, com guitarras elétricas e som amplificado por auto-falantes, às cinco da tarde do Domingo de carnaval.
O desfile aconteceu no Centro da cidade arrastando uma verdadeira multidão. Na verdade, o nome "trio elétrico" só surgiu mesmo no ano seguinte, quando
três músicos se apresentaram em cima do tal carro.
Nos anos 70 o carnaval presenciou o nascimento de grupos históricos, como os Novos Baianos e o bloco afro Ilê Aiyê, além do renascimento do Filhos de Gandhy.
Era o começo do crescimento cultural do Carnaval de Salvador, que passou a enfatizar os conflitos e a protestar contra o racismo. Na década de 80, grupos
como Camaleão, Eva e Olodum escreveram seus nomes na história da festa mais popular da Bahia.
Curiosidades do Carnaval no mundo
O carnaval de Veneza reúne, até hoje, os mais elegantes mascarados da Europa
A festa mais tradicional acontece, sem dúvida, na cidade de Veneza, na Itália, onde os foliões invadem as ruas e salões com luxuosas fantasias e as mais
belas máscaras de carnaval. Mas em outros pontos da Europa e Américas há muito que comemorar. Com uma tradição de mais de 800 anos, o carnaval na cidade
suíça da Basiléia ainda mantém as tradições seculares. Às quatro horas da madrugada da terça-feira gorda, chamados pelo sino da catedral e pelo rufar dos
Schnitzelankler (tambores), os foliões mascarados invadem as ruas com lanternas coloridas cantando sátiras dos temas mais diversos, embalados pelo som
de pífanos e flautas. Em Nice, na França, duzentas mil lâmpadas iluminam o desfile de carros alegóricos, liderado por aquele que leva o Rei do Carnaval.
Os carros levam ainda enormes bonecos de papelão e moças ornamentadas de flores. Um tradição mantida é a queima do Rei do Carnaval em meio a um show de
fogos de artifício na madrugada da quarta-feira de cinzas. Na capital, Paris, o carnaval se resume à terça-feira gorda, quando os estudantes espalham-se
pelas ruas, praças e cafés. Além de cantar e dançar, eles promovem uma verdadeira guerra de ovos e farinhas, cujas maiores vítimas são os motoristas e
ocupantes de automóveis, que não têm como escapar.
Na Alemanha, o carnaval mais animado acontece na cidade de Colônia. As tradições param nos desfiles de fantasias, pois a celebração maior é o encontro
das pessoas nas ruas, quando os jovens tomam as cervejarias, adegas e salões de festa. Há também um cortejo de carros alegóricos onde os foliões fazem
chover balas e bombons na multidão que acompanha a parada.
Na Bélgica, os foliões mantém a tradição e vestem-se de Gilles, os bufões da Idade Média
Em Nova Orleans, nos Estados Unidos, a tradição do carnaval, que começa na segunda feira, é mantida com o desfile de barcos enfeitados no Rio Mississipi.
Há um tradicional baile de máscaras e fantasias no Spanish Plaza, aberto pelo rei da festa, chamado de Rex. Na terça-feira a multidão sai em massa nas
ruas para assistir às parades - desfiles de carros alegóricos - organizadas pelas sociedades carnavalescas. Na América do Sul, além do Brasil, a Bolívia
tem um carnaval bastante pitoresco. É nesta época do ano que acontece a Diablada, um desfile onde é encenada uma dramática batalha entre o Bem e o Mal,
na cidade de Oruro, centro da mineração boliviana. Os homens se fantasiam com máscaras demoníacas, ornamentadas com serpentes aladas e dragões de três
cabeças, representando os espíritos malignos que assombravam os primeiros operários, que temiam o trabalharem nas minas de estanho e prata por causa do
perigo de passarem longo período de tempo debaixo da terra. Já o Bem é caracterizado pela figura da Virgem de Socavón, a virgem do túnel da mina para onde
convergem os "diabos" no fim do desfile, já com suas máscaras na mão. Eles se ajoelham dentro da igreja e pedem proteção à Santa. Na saída, passam por
um túnel prateado, que simboliza a saída da mina, e são banhados por água benta pelos padres da cidade, consumando o ritual do exorcismo. Em qualquer lugar
do mundo, o carnaval sempre é uma festa única que, para estar completa, não deixa de reunir o sagrado e o profano.
Fontes: Carnaval, de Hiram Araújo e sites oficiais da Liesa - Liga Independente das Escolas de Samba, Prefeitura Municipal de Salvador, Estação Primeira
de Mangueira e Mocidade Independente de Padre Miguel.
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