terça-feira, 21 de abril de 2015

Ele não pode se movimentar, mas criou o melhor portal de mobilidade urbana do país. Ricky Ribeiro, do Mobilize

Ricky Ribeiro, do Mobilize Brasil. As cidades devem ser feitas para as pessoas, e ele contribui para isso. Desde que descobriu que sofria de Esclerose Lateral Amiotrófica, a ELA, doença neurodegenerativa irreversível, Luis Henrique da Cruz Ribeiro, mais conhecido como Ricky Ribeiro, teve apenas um dia de infelicidade: o do seu diagnóstico. Mas, ali, o paulista de 35 anos decidiu que a doença não o definiria, nem o deixaria abatido. Com sede de fazer acontecer, colocou a mão na massa e juntou, em uma só causa, gente interessada em sua história de vida (agora, com a mobilidade cada vez mais comprometida) e na questão de mobilidade (em maior escala) nas grandes cidades para criar o portal Mobilize Brasil  que, só em 2014, teve quase 3 milhões de acessos. Nele há notícias, estudos e estatísticas sobre deslocamentos urbanos que, muitas vezes, são mais precisos que os dos órgãos competentes. Sua condição torna o sucesso do Mobilize algo tocante, mas muito antes do diagnóstico Ricky já tinha descoberto o seu propósito nessa vida: queria contribuir para o bem comum. Com isso em mente, cursou Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, e nos primeiros anos de faculdade conseguiu estagiar no Departamento de Planejamento Urbano e Meio Ambiente e na Secretaria de Cultura de Santana do Parnaíba. Ricky respondeu às perguntas do Draft por escrito (ele não fala e usa um leitor óptico para mexer no computador) e lembrou dest fase: “Na Prefeitura, meu desejo de trabalhar para um bem público cresceu. Criei um banco de dados com informações sobre todos os eventos culturais e equipamentos turísticos do munícipio”. Assim que se formou, em 2002, conseguiu um emprego na ICTS Global, empresa de consultoria de risco de negócios. Paralelamente, criou, com dois amigos, Luiz Carlos Covo Filho e Eduardo Rossi, a ONG Abaporu, que desenvolvia (e ainda desenvolve) projetos de educação e incentivo à leitura. Na ICTS, Ricky ficou apenas dois anos. Com mais quatro amigos da faculdade, decidiu passar uma temporada em Barcelona, na Espanha. Achou, na Universidade Politécnica da Catalunha, o mestrado que era a sua cara: o de Sustentabilidade. Nos dois anos e meio em que esteve passou no exterior, também aproveitou para fazer um MBA Executivo na Universidade de Barcelona. “O interesse em sustentabilidade surgiu logo depois de formado, em conversas com o meu amigo Luiz Covo e através da leitura do livro Capital Natural. A cidade de Barcelona e o mestrado foram responsáveis por uma profunda transformação na minha forma de ver o mundo e, principalmente, de ver as cidades. Fiquei encantado em constatar que a qualidade de vida das pessoas poderia ser infinitamente maior em uma cidade com uma disposição urbana inclusiva, que valoriza espaços públicos, estimula a convivência social entre diferentes grupos e classes e prioriza os meios de transportes públicos não motorizados”, afirma. Ricky Ribeiro em Barcelona, sem sintomas da doença. Lá, ele estudou sustentabilidade e se apaixonou pela bicicleta como meio de transporte. Ricky Ribeiro em Barcelona, sem sintomas da doença. Lá, ele estudou sustentabilidade e se apaixonou pela bicicleta como meio de transporte. Com uma visão diferenciada de como as cidades poderiam (e deveriam!) ter uma qualidade de vida melhor, Ricky voltou, em 2006, para o Brasil. Continuou tocando sua ONG até que, quase um ano depois, teve a oportunidade de se mudar para o Recife, onde conseguiu um trabalho na consultoria Ernst & Young. Ali, vivia um sonho. Trabalhava com projetos de consultoria e responsabilidade social em diferentes cidades do Brasil e até fora dele. Se sentia realizado. EM 2008, NO RECIFE, A DOENÇA FICOU EVIDENTE Ricky sempre se considerou extremamente ativo. Quando morou em Barcelona, tornou-se um apaixonado por bicicletas, fazendo delas o seu principal meio de transporte. Ao se mudar para Recife, a trabalho, tinha uma vida 100% saudável: corria quase todo dia e fazia aulas de tênis nas quadras da orla de Boa Viagem. Até que percebeu algo de errado com o seu corpo, em março de 2008: “Foi em um dia de academia, quando observei que não conseguia dobrar minha perna para trás normalmente em um exercício. Pouco tempo depois, passei a não conseguir correr a distância que estava habituado. Comecei a mancar. Também cheguei a cair da esteira da academia. Comecei a relacionar alguns indícios e lembrei que pouco tempo antes, ao reencontrar uma turma do futebol em São Paulo, meus chutes saíam fracos e caí em campo algumas vezes. Havia piorado também minha impulsão e velocidade nas aulas de tênis”, relembra. O diagnóstico foi por exclusão e veio mais de seis meses depois dos primeiros sintomas da doença. Para Ricky, o choque foi grande, mas a maneira como ele lidou com a notícia foi, no mínimo, inspiradora: “No dia que descobri que estava com esclerose lateral amiotrófica, entrei na internet e li sobre a doença. Tudo era negativo. Fiquei muito triste e chorei, mas a tristeza durou só um dia. Acordei no dia seguinte decidido que focaria toda a minha energia em duas coisas: tentar combater a doença de todas as formas possíveis e escolher atividades prazerosas para fazer nos momentos em que não estivesse em tratamento” Na luta para amenizar a doença, Ricky tentou de tudo. Foi atrás de acupuntura, medicina ortomolecular, transplante de células tronco, tratamento espiritual, medicina alemã, fisioterapia, fono, terapia ocupacional, entre outras alternativas. Também fez de tudo para se divertir: entrou em um curso de fotografia, assistiu aulas de política e fez uma viagem de dois meses com a irmã, Lili, pelo Nordeste. Aprendeu a ter hobbies novos: atualmente, assiste cerca de três filmes por semana, adora documentários e não perde um jogo do Corinthians. Também se aproximou mais da música e tem no repeat músicas de Chico Buarque, Cartola, Jack Johnson, Jorge Ben e Bob Marley. EM 2010, RICKY JÁ NÃO CONSEGUIA MAIS ANDAR Apesar de, atualmente, a doença de Ricky evoluir lentamente, o paulista já enfrentou muitos processos traumáticos da doença, como conta ao Draft: “Quando recebi o diagnóstico, já não conseguia correr há aproximadamente cinco meses e andava mancando um pouco. Em julho de 2009, sentia necessidade de um andador, pois estava perigoso caminhar sem apoio e as quedas eram constantes. Mesmo com limitações físicas e dificuldade para andar, ainda conseguia nadar, dirigir e andar de bicileta estática. No fim de 2009, parei de fotografar, já que não tinha mais força para levantar os braços e segurar a máquina. No início de 2010, ficou visível que minha fala saía com dificuldade e, no fim daquele ano, não conseguia andar mais nem com andador. Em julho de 2011, passei a usar um leitor óptico para mexer no computador e, em novembro, fiz uma gastrotomia para me alimentar, já que estava difícil mastigar e engasgava frequentemente”. O momento mais traumático da evolução da doença de Ricky ocorreu em junho de 2012. Depois de dias com dificuldade para respirar, precisou ser internado para fazer uma traqueostomia (procedimento no qual se cria um orifício no pescoço para passagem de ar direto para a traqueia) que mudou muita coisa em sua vida. Apesar do conforto respiratório, Ricky perdeu completamente a voz, não conseguia mais engolir e praticamente ficou impossibilitado de sair de casa. Um ano e meio depois, passou a depender da ventilação mecânica 24 horas por dia. EM MEIO AOS TRATAMENTOS, NASCE O MOBILIZE Era 2011 e Ricky já se sentia exausto por se dedicar apenas aos diferentes tratamentos para a ELA. O paulista começou a estudar o tema Mobilidade Urbana Sustentável mais profundamente e teve um insight: por que não criar o primeiro portal sobre mobilidade do Brasil? Foi assim que surgiu o Mobilize Brasil, em setembro de 2011. O site agrega, produz e dissemina conteúdo de qualidade e relevância relacionado ao tema. Também realiza campanhas, como a “Calçadas do Brasil” e a “Sinalize”, sobre qualidade das calçadas em 12 capitais e sobre a sinalização para ciclistas e pedestres, além de estudos sobre mobilidade que são referência até para grandes veículos da mídia, como o Jornal Nacional, da Globo. Somam-se ao Mobilize os fóruns anuais realizados na FGV e as exposições itinerantes sobre mobilidade. “Os amigos do Ricky brincam que o ele é único porque fala sobre mobilidade, mas não se movimenta”, conta Cristina Ribeiro, mãe de Ricky, que toca a parte administrativa do portal e de campanhas da ONG. Desde que a doença acometeu o filho, ela deixou o cargo de diretora em uma grande empresa para se dedicar à ele e ao projeto. Ricky Ribeiro no “escritório” da Mobilize, diante do computador que ele acessa via leitor óptico Ricky Ribeiro no “escritório” da Mobilize, diante do computador que ele acessa via leitor óptico O Mobilize, segundo Ricky, é dedicado a “todo cidadão brasileiro que vive ou trabalha em qualquer cidade afetada pela imobilidade do sistema viário que prioriza o transporte individual em detrimento do transporte público, da falta de calçadas e da falta de estruturas cicloviárias”. O portal tem como objetivo contribuir com a melhoria da mobilidade urbana e da qualidade de vida das cidades no país: “Para a nossa surpresa, gestores públicos e governos são grandes usuários e beneficiários do conteúdo gerado pelo portal, pelos estudos gerados, pesquisas publicadas e campanhas conduzidas” Desde a criação do Mobilize, Ricky passa o dia ocupado e garante: não pensa no pior. Faz fisioterapia e toma banho pela manhã, abre o dia de trabalho por volta das 11h no computador e trabalha no Mobilize até o fim da tarde. Passa por mais uma sessão de fisio à tarde e, após o atendimento, volta a trabalhar. Segundo a mãe, ele é uma máquina de Excel e planejamento. Também é por sua história, seu carisma e suas ideias inovadoras que tem ao seu lado colaboradores de todo o país. No Mobilize, contando ele, há 9 colaboradores que trabalham part-time com jornalismo, tecnologia, comunicação, pesquisas e captação de recursos. Ricky tem a ajuda de três amigos-conselheiros, Renato Miralla, Guilherme Bueno e Nelson Avella, que o ajudam a tomar decisões mais complexas em relação ao site. As reuniões do time são, na maioria das vezes, realizadas por Skype. Acamado e em conversa por e-mail, Ricky conta como a tecnologia o ajudou a lidar com as limitações físicas impostas pela doença. “Quando comecei a desenvolver a ideia do portal, em janeiro de 2011, já estava com bastante dificuldade para falar e tinha movimentos em apenas dois dedos, o que me permitia usar o computador com limitação. Era um desafio inclusive comunicar minhas ideias. No entanto, desde julho daquele ano uso um equipamento, chamado Tobii Eye, que me permite escrever com os olhos. Através desse leitor óptico, consigo acessar a internet, abrir e-mails, escrever, fazer planilhas e apresentações, ou seja, praticamente tudo que fazia antes, porém mais devagar”, conta. O maior desafio, ele mesmo aponta, é captar recursos para viabilizar o Mobilize. Apesar de ter patrocínios do Itaú e da Allianz, Ricky precisa de mais gente a favor das cidades ao seu lado. “A ferramenta eu banquei com as minhas reservas, e os recursos para sustentar os primeiros meses, até conseguir patrocínio, foram provenientes de uma campanha de arrecadação com amigos”, diz. Ajudar as cidades a se desenvolverem de uma forma mais humana é o principal objetivo de Ricky Ribeiro e da Mobilize. E você? Já se mexeu hoje? Fonte: DRAFT

Nenhum comentário:

Postar um comentário