sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Reflexão sobre o que falta e a mudança de mentalidade

Texto de Marco Antônio de Queiroz (MAQ). Comentário SACI: A reflexão abaixo é uma resposta do MAQ para o Ernesto Luiz Muniz Moreira, que na época (2012) era Presidente do CVI Floripa, dia 23 de junho de 2012. Essa resposta foi enviada para diversas listas de discussão, das quais MAQ era um participante ativo e muitas vezes polêmico. MAQ tinha recebido o Prêmio Web para Todos, em primeiro lugar. Ele faleceu em 2013, porém suas reflexões continuam atuais. Marco Antônio de Queiroz Tudo, realmente, é uma questão de “ponto de vista”. Para mim, por exemplo, se existe 95% de sites para ainda serem feitos com acessibilidade na web, conforme divulgação do W3C e CGI é porque existem também 5% já feitos. Não podemos pensar só no que não conquistamos ainda, a não ser como meta. A questão maior não é os 5% feitos e os 95% não feitos. A principal questão é a mudança de mentalidade. No Paraná, por exemplo, são 30% feitos e 70% por fazer e, para a média brasileira dar 5% X 95% é porque existem estados com menos de 5%. Mas como os números são meros reflexos da mentalidade posta em ação, isso significa que, como no ano anterior a essa pesquisa de 2011, a média brasileira era de 2,5%, isso significa que em um ano 2010/2011, tivemos o dobro de sites acessíveis. Se pensarmos que temos milhões de sites no Brasil, não estou falando de milhares, estou falando de milhões, dependendo da qualidade dos acessíveis isso passa a ser significativo, mesmo que muito pouco ainda. Somos da época passada do impossível... e agora estamos na época do provável. Não nos basta, por outro lado, reclamarmos, temos de começar a fazer. Não estou me dirigindo especificamente a você, mas a todos nós. Fico feliz e triste, ao mesmo tempo, quando sou convidado a dar palestras em universidades e percebo o nível de desconhecimento que aqueles estudantes têm a respeito de acessibilidade e que quando começo a falar de técnicas de acessibilidade, como se espantam por estar ouvindo de uma pessoa cega aquilo que desconhecem ou que apenas ouviram falar. Quando falo de iPhone e afirmo que são acessíveis, aqueles iPhones que compraram na loja como eu, que qualquer pessoa pode fazê-lo falar por onde estão passando na tela... correm espantados para seus próprios iPhones, iPads e iPods e ficam boquiabertos em perceber que os aparelhos que têm na mão são acessíveis e seus sites não! Nossa inclusão que, teoricamente, é a sociedade nos incluindo dentro dela mesma, precisa de algo fundamental, que mostremos a ela que estamos preparados para isso, que isso é possível, concreto, definitivo. Que não são ETs que entram em seus mundos, são pessoas como eles. Mas ainda existem eles e nós e não venham me dizer que a responsabilidade disso é só da sociedade preconceituosa e desconhecedora de nossa humanidade, nós mesmos ainda não nos educamos para sermos iguais, ainda nos juntamos em guetos que muitas vezes reclamam de acessibilidade em seus vários níveis, mas que utilizam essa mesma acessibilidade, não para estarem entre todos, mas para estarem acessivelmente em seus guetos. E é nessa cultura que vivemos e nos sentimos confortáveis. Dar um passo fora para o mundo, requer coragem, aceitação de nossos próprios limites e diferenças, a ponto de que, com eles, sejamos iguais na diferença, não iguais a nós mesmos, mas iguais a todos, esse todos ampliado que é nosso ideal. Enquanto continuarmos com essa cultura, com essa intimidade única com nossas diferenças, seremos mais diferentes que iguais e essas diferenças serão sempre maiores que nossos corpos, nossos sentidos, nossas mentes e nossos limites estão encravados no que pensamos de nós mesmos. Por tudo isso é que penso que 5% de sites acessíveis estão na medida não somente do que a sociedade pensa de nós, mas no que nós pensamos de nós mesmos. A saída disso é a educação e acreditarmos em nossa capacidade, é nós próprios nos vermos como iguais, porque, simplesmente, somos iguais. Alguns de nós não falam, alguns de nós são capazes de, ao tomar um sorvete, errar a boca e batê-lo na testa, alguns de nós derrubam a comida para fora do prato, alguns de nós têm seus corpos todos distorcidos e bem fora do comum, alguns de nós são bem baixos, outros não tem um ou mais de um membro, alguns de nós falam por sinais, outros observam nossas bocas e expressão, outros andam com vasilhas guardando urina, outros saquinhos guardando fezes, uns tem dificuldade de comunicação com o mundo, outros não falam bem, uns usam muletas para andar e outros andam em camas... somos todos iguais a todos os seres humanos do mundo, precisando ou não de ajuda, de tecnologias, de coisas que comumente a maioria não precisa. Ainda assim somos iguais, iguais na diferença, iguais na igualdade... Mas na mentalidade, caso não acreditemos nisso, seremos então pessoas especiais, mas especiais no pior sentido, o da pena, da desconsideração, da anomalia. E todos, inclusive nós próprios, estão aí para nos dizer isso, caso não nos apropriemos de nossa sanidade, de nossa loucura e nos deseducarmos de todos os limites que aprendemos a ter. Conscientes de nossa igualdade, aí sim, podemos reivindicar o que precisamos para a igualdade, mesmo que para isso precisemos só do olhar do outro e, mais que esse olhar, o nosso próprio a nós mesmos. Como um paraplégico vê um cego? Como um surdo vê um camarada com síndrome de Down? Como um surdo que se comunica por sinais vê o outro que é oralizado? Temos preconceitos enormes entre nós mesmos e queremos a todo custo que a sociedade não os tenha conosco. É risível. Assim, Ernesto, 5% refletem o seu trabalho, o meu trabalho, o trabalho de muitos aqui... porque, na verdade, nós e a sociedade em geral somos apenas 5% dos que acreditam e fazem por isso. Precisamos de nos reeducar. Só falta a sociedade acreditar mais na gente que nós mesmos! Desculpem-me os erros de português e concordâncias... também preciso me reeducar nesse sentido! (risos). Abraços acessíveis do MAQ. ¤

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